Crime: Dupla sertaneja lança música transfóbica

Entendendo que transfobia é crime no Brasil, ativistas cobram retirada da música das plataformas digitais

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A dupla Pedro Motta e Henrique. Foto: Reprodução
Por Rafael Mesquita

O lixo intragável de parte da música sertaneja tornou esse difícil 2020 ainda pior. A “novidade” fica por conta da dupla Pedro Motta & Henrique, que lançou, na última sexta-feira (18), com forte teor transfóbico, a música Lili. No excremento musical, a velha história de um homem cis que “se sente enganado” por uma travesti.

Para efeito de entendimento, reproduzimos trecho da abominável letra da música: “Depois de uma farra embriagada ela se entregou só que ela não tinha o que mulher tem / Ô Lili, ô Lili porque você mentiu pra mim O Lili, ô Lili Amor da minha é um travesti”, diz.

Recheada de ódio, a canção é na verdade uma “transfobia recreativa”, como definiu a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). De acordo com a entidade, em postagem no Instagram, a dupla “promove violência simbólica e psicológica através da chacota contra a população de travestis brasileiras”.

O imaginário social reproduzido pela letra, que define as travestis como “falsas mulheres” e as coloca no campo da repulsa, da aversão, da anormalidade, é uma das causas da transfobia letal, aquela que leva à morte. O Brasil lidera, há 12 anos, a estatística mundial de assassinatos de travestis e transexuais.

É impossível que a milionária indústria do setanejo, por trás desses idiotas úteis, não tenha consciência de que a canção iria causar revolta ao ser lançada. Muito provavelmente pode até ser uma estratégia de promoção, já que discurso de ódio virou segmento de mercado no país. Daí nasce o sertanojo, aqui referido como a parcela que produz conteúdo nocivo à dignidade humana, de mau gosto, que passa mensagens ridículas LGBTIfóbicas, racistas e misóginas.

Para efeito pedagógico, é importante dizer que travesti é “a pessoa que nasceu com determinado sexo, ao qual foi atribuído culturalmente o gênero considerado correspondente pela sociedade, mas que passa a se identificar e construir nela mesma o gênero oposto”. Conforme o Manual de Comunicação LGBTI+, é uma identidade unicamente feminina, não devendo ser empregada no masculino, como fizeram os cantores. Diga-se de passagem, causa espanto uma pessoa, ao enxergar uma expressão de gênero totalmente feminina, fazer o esforço de masculinizar o discurso sobre ela.

Além disso, é importante citar que não é uma genitália que define o que é ser mulher. Mais do que nunca precisamos nos acostumar a viver em mundo mundo de corpos possíveis e não determinados por um sistema social que cria gêneros fixos com fins socioeconômicos e de dominação.

Para completar, na maior cara de pau, em declarações dadas à imprensa comercial, os sertanejos tentam se justificar. Dizem que não são homofóbicos, porém, não voltam atrás no processo de divulgação da produção.

Cadeia neles

No entanto, se os sertanejos citados pararam no tempo, a Lei não. Homofobia e transfobia agora são crimes no Brasil e podem dar de 3 a 5 anos de prisão. A decisão é do Supremo Tribunal Federal, que, em junho de 2019, enquadrou declarações homofóbicas e transfóbicas no crime de racismo. Isso até o Congresso Nacional aprovar uma lei específica para o tema.

Ao mesmo tempo, é importante que organizações, ativistas e populares em geral denunciem a publicação da música nas plataformas digitais, entre elas Instagram, Youtube, Spotify, Deezer, Google Play, Amazon e Apple Music. Nas denúncias, é imprescindível citar que a letra é transfóbica e que isso é crime.

“Como não queremos ficar dando destaque a essa turma preconceituosa, queremos que as plataformas tirem do ar tal canção, queremos que eles entendam que se mexer com uma vai receber porrada de todas. Estamos cansadas desse grupo sertanejo, estamos cansadas dos empresários continuarem apoiando e dando impulso e grana e eles continuarem impunes em seus crimes”, enfatizou a midiativista e transfeminista Ali Nacif.

“Me choca saber que permitam uma música como essa em uma das maiores plataformas de música, o Spotify”, postou a ativista travesti Alina Durso em seu Twitter, na noite deste sábado (19).

No YouTube, o vídeo já conta com mais de 3,4 mil comentários, a maioria deles de críticas à música, e cerca de 10 mil descurtidas, contra pouco mais de 700 curtidas.

EDIT: Queremos aqui justificar que respeitamos o sertanejo feito sem esse repertório hediondo. Reconhecemos o valor cultural e ancestral da música caipira, do sertão, do cerrado, como lembrou a amiga Raquel Andrade, dos maravilhosos e lindos versos, das vozes afinadas, que não tem nada tem a ver com o material oportunista criticado nesta reportagem.

1 COMENTÁRIO

  1. Se a música tem mais dislike que like, então isso só prova que nem tudo no país tá tão ruim assim, apesar de termos um governo horrível de um presidente inútil com filhos mais inúteis ainda. Mas quem é a dupla Pedro Motta & Henrique mesmo?

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