Levante poderoso de lésbicas marca o ‘Stonewall’ brasileiro

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Registro da fachada do Ferro’s Bar, em meados dos anos 1990. Foto: Reprodução

O mês de agosto no Brasil traz consigo a aura da visibilidade lésbica, em memória ao I Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE) de 1996. No entanto, pouco mais de uma década antes dessa emblemática iniciativa, um episódio marcante ecoou em solo brasileiro: o Levante do Ferro’s Bar, protagonizado por lésbicas determinadas e respaldado por grupos feministas.

Chamado por muitos de ‘Stonewall’ brasileiro, esse movimento de mulheres lésbicas encontra paralelos diretos com o ocorrido no bar Stonewall Inn, em Nova York, Estados Unidos. Naquela icônica ocasião, a comunidade LGBTQIA+ se uniu contra incursões policiais recorrentes, resultando numa batalha de duas noites que lançou as bases para a primeira Parada do Orgulho, realizada em 1º de julho de 1970 nos EUA.

Era o ano de 1983, e o Ferro’s Bar, localizado próximo à avenida 9 de Julho, no coração de São Paulo, era mais que um simples bar. Era o ponto de encontro das mulheres lésbicas nas décadas de 60 a 90. Inicialmente frequentado por militantes comunistas, o bar se transformou, após o golpe civil-militar de 1964, num espaço vital para encontros da comunidade LGBTQIA+.

Tal como nos Estados Unidos, as investidas policiais eram uma realidade incômoda. As frequentadoras eram expulsas, mas voltavam, firmes e resilientes, para reocupar o espaço que era delas por direito. Proibir era a resposta autoritária da época, inclusive confiscando e proibindo panfletos que versassem sobre a luta LGBTIA+.

O mais notório desses panfletos era o jornal “Chana com Chana”, voltado ao público feminino lésbico. Editado inicialmente pelo Grupo Lésbico Feminista e, posteriormente, pelo Grupo de Ação Lésbico-Feminista – GALF, o jornal esteve ativo entre 1981 e 1987. Em 1988, o GALF deu vida ao jornal “Um Outro Olhar”, transformado em revista em 1995, ano de sua despedida.

Foto: Reprodução

Rico em abordagens sobre direitos sexuais, legislação, família e o encorajamento para assumir a identidade, o jornal tornou-se uma bússola para lésbicas e a comunidade LGBTQIA+ da época. A venda desse material foi barrada pelo dono do bar – o mesmo que fechava os olhos para outras atividades ilegais que aconteciam no estabelecimento.

Após resistir bravamente às expulsões violentas e à proibição de sua voz, o dia 19 de agosto de 1983 marcou uma mudança irreversível. As ativistas uniram-se a grupos LGBTQIA+, feministas e figuras políticas do momento. Na frente das frequentadoras, da polícia, da mídia e da militância, elas declararam um manifesto pela igualdade e contra a opressão.

Em um gesto surpreendente, a Folha de São Paulo reportou o evento de maneira positiva, destoando do tom preconceituoso que predominava nas notícias sobre lésbicas naquela época. O protesto fez eco e levou ao pedido de desculpas e à liberação da venda dos panfletos. O Levante do Ferro’s Bar se tornou um marco, incentivando grupos LGBTQIA+ e organizações feministas a reafirmar sua dignidade e presença. Esse evento culminou na criação do Dia do Orgulho Lésbico em São Paulo, aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado em junho de 2008.

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