Na última terça-feira, 19 de setembro, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) da Câmara dos Deputados tentou mais uma vez avançar com um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo no Brasil. No entanto, graças à firme pressão de ativistas e parlamentares comprometidos com a igualdade de direitos, a votação foi adiada mais uma vez.
O centro da discussão gira em torno do Projeto de Lei 580/2009, originalmente apresentado pelo ex-deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), que tinha como objetivo regulamentar o casamento homoafetivo entre pessoas do mesmo gênero. Este projeto, outrora esquecido, foi ressuscitado no início deste mês, apenas para ter seu conteúdo original radicalmente distorcido pelo atual relator, o deputado conservador Pastor Eurico (PL-PE).
O Pastor Eurico fundamentalista propôs uma alteração no Artigo 1.521 do Código Civil, que lista as situações em que o casamento é proibido no Brasil. A sua sugestão é baseada na seguinte falácia: “Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou à entidade familiar”.
Resistência LGBTQIA+
Ao longo de toda a sessão, um grupo corajoso de ativistas e parlamentares, incluindo nomes notáveis como Erika Hilton (PSOL-SP), Fábio Félix (PSOL-DF), Daiana Santos (PCdoB-RS), Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, ergueram suas vozes em protesto e exerceram pressão incansável contra esse projeto de lei discriminatório.
Felizmente, a votação foi adiada, e não há data prevista para a sua retomada. Antes disso, a Comissão se comprometeu a realizar audiências públicas para ouvir a sociedade civil e considerar todas as perspectivas sobre esse assunto crucial.
Erika Hilton sofre transfobia mais uma vez
Vale ressaltar que, lamentavelmente, Erika Hilton, a primeira travesti eleita deputada federal, foi novamente alvo de ataques transfóbicos durante a sessão, uma demonstração de que a luta pelos direitos LGBTQIA+ ainda enfrenta obstáculos significativos, mesmo no coração do Congresso Nacional.
Ela e o deputado Pastor Henrique Vieira apresentaram voto em separado, contra o relatório de Eurico, que diz: “O ódio fomentado contra a democracia se confunde com o ódio àqueles e aquelas que lutam por democracia e direitos humanos no Brasil”. “Manifestamo-nos por um Estado que seja capaz de garantir, proteger e afirmar a dignidade e a singularidade de todas as pessoas – sem discriminação de cor, raça, etnia, povos, sexualidade, gênero ou religião. Por um Brasil afetivo, acolhedor, cuidador, solidário e generoso com a alteridade. Por uma democracia que celebre a diversidade e a pluralidade de expressões culturais e formas de vida de todo o povo brasileiro”, concluem.
Casamento homoafetivo já foi reconhecido como direito constitucional
Em relação ao direito ao casamento homoafetivo no Brasil, é importante lembrar que em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que as relações homoafetivas podem ser equiparadas às uniões estáveis entre homens e mulheres, constituindo, portanto, núcleo familiar. Essa decisão foi reforçada dois anos depois pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determinou que todos os cartórios do país são obrigados a oficializar casamentos homoafetivos.
“O que o STF decidiu, por unanimidade, foi à luz da Constituição. O entendimento é claro e assegura aos casais homossexuais os mesmos direitos de uniões formadas por pessoas de sexos diferentes”, afirmou o ministro aposentado do Supremo Ayres Britto ao G1.
Apesar das tentativas de retrocesso representadas pelo projeto de lei em questão, é esperado que ele enfrente dificuldades para se tornar lei. Mesmo que seja aprovado pela CPASF, o projeto ainda precisará passar por discussões na Câmara, incluindo as comissões de Direitos Humanos e de Constituição e Justiça (CCJ). Somente se for aprovado por esses dois colegiados, será encaminhado ao Senado. Ainda assim, defensores dos direitos LGBTQIA+ estão confiantes de que a justiça prevalecerá.
“Se passar (na Comissão), cabe recurso ao Plenário. Se passar na Câmara, tem a CCJ do Senado e o veto presidencial. Se passar por tudo ou o Congresso derrubar o veto, barramos a lei no Supremo, inclusive por liminar”, explica, à Revista Híbrida, o advogado Paulo Iotti, um dos responsáveis pela decisão do STF de incluir a LGBTfobia no crime de racismo.
Lula defende direitos LGBTQIA+ na ONU
Enquanto a Câmara era palco de discursos conservadores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursava em defesa dos direitos LGBTQIA+ horas antes de a análise ser retomada na comissão.
“Seremos rigorosos na defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência”, disse, em fala na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
O terceiro mandato de Lula é a primeira gestão federal a contar com uma secretaria nacional dedicada aos direitos das pessoas LGBTQIA+. O cargo é ocupado pela travesti Symmy Larrat.
Com informações da Agência Câmara e reportagens originais da Revista Híbrida e do G1