Presença LGBTI+ na Comunidade Tapeba – PRIMEIRA PARTE

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Nota do autor: O assunto deste texto, reflexão, crônica, ou melhor, um despejar de pensamentos, teve origem em um âmbito acadêmico, em que questionávamos a existência de representantes LGBTI+ na comunidade indígena Tapeba. Um assunto gerador de imensa polêmica e curiosidade, com argumentos “semi-válidos” de ambos os lados, causou naquela parcela de estudantes de jornalismo algo que, rapidamente se tornou um debate acalorado de subjetividades que seriam revisitadas, ao conhecer melhor aquela etnia em questão.

Acreditávamos que seria difícil descobrir na tribo, personagens que dessem corpo à pauta, mero engano, pois, ao chegar na Festa da Carnaúba em Caucaia não encontramos apenas um personagem, mas sim, cinco cidadãos que representam aquele conjunto de letras tão conhecidas e debatidas entre as mesas de qualquer bar ou estabelecimento que se tem conhecimento. No começo não foi difícil perceber a aceitação da comunidade para com o tema, falar sobre o assunto para eles é natural e percebemos que o preconceito maior é por serem índios e não ao fato de serem homossexuais.

Jéssica Silva, índia Tapeba.

Um dos meus amigos e eu fomos à Festa de Carnaúba, em Caucaia, especificamente na Lagoa do Terreiro Sagrado dos Pau Branco – em busca do universo LGBTI+ na comunidade indígena Tapeba.

Entre as crianças, a música, a comida e a energia que apenas um festival pode trazer, encontramos personagens que nos inspiraram e nos ensinaram lições de vida, força e empoderamento em uma quinta-feira quente, em outubro de 2017.

As letras GLS e T tomaram forma em nossa narrativa. Renato representa a letra G (nomeada nesta narrativa por “garra”), Jéssica representa a letra L (liberdade), Cacique Kauã e João Kennedy representam a letra S (solidariedade) e Perpétua representa a letra T (transcender). Temos que deixar de lado os rótulos, ao fazê-lo, nossa mente fica mais aberta, mais ativa e absorvemos mais claramente o que nosso interlocutor deseja passar. Por isso, escolhemos palavras que representam a essência de cada um dos personagens desta narrativa.

Garra
O ser gay por si só, já traz uma carga histórica de luta e de conquistas por aquilo que lhe é de direito. Pensando nisso, como será conviver em uma comunidade indígena, sendo gay? Quais são as suas batalhas diárias? Sofre-se preconceito por ser gay e índio dentro da comunidade e fora dela? Essas e outras questões foram tratadas pelo estudante, Renato Lemos, 21 anos, índio Tapeba. Conheça a visão de quem vive essa realidade na própria comunidade.

Liberdade

Você já imaginou como seria a vida de uma lésbica que quer ter filho com a sua companheira, mas de forma independente? O fato não é uma utopia, pelo contrário, ele é real e é a história de vida da indígena Jéssica Silva, 20 anos, da comunidade Tapeba.

“A primeira pessoa que sabia que eu era lésbica foi minha mãe”.

Jéssica Silva, 20, da comunidade Tapeba.

“Felicidade não são os outros que escolhe, é você que escolhe. Se você se sentir feliz assim, siga seu caminho”.

“O pai da minha filha é meu colega. ele sabia que eu tinha um relacionamento com uma mulher, Mas ele aceitou nossa proposta e hoje nosso filho tem duas mães”.

Solidariedade

O apoio da comunidade é essencial aos LGBTI+

João Kennedy, coordenador AJIT.

João Kennedy, 25 anos, é Coordenador da Articulação dos Jovens Indígenas Tapeba (AJIT). Por estar diretamente ligado aos jovens da comunidade, João possui experiência e contato direto com os jovens LGBTI+ da comunidade indígena a qual representa. “Apoiamos qualquer ser humano, independente de gênero, sexo ou orientação sexual”, pontua João Kennedy.

Cacique Kauã, 32 anos.

Pitaguary é a auto-denominação dos povos indígenas que vivem no sopé das montanhas entre os municípios de Maracanaú, Pacatuba e Maranguape. A cerca de 26 km de Fortaleza, a Terra Indígena Pitaguary está localizada na região metropolitana da capital do Ceará. Como os LGBTI+ são tratados em uma comunidade diferente? Cacique Kauã, da pluma branca, 32 anos, é da etnia Pitaguary e fala sobre isso de forma clara e aberta.

“Meu nome é João Paulo da Silva Lima, nome dado por meus pais biológicos. Tenho 32 anos, moro na vila Pitaguary de Olho D’Agua, no município de Maracanaú”.

Embora esse tema ainda seja abordado com preconceito, conseguimos estabelecer o diálogo e a convivência democraticamente. Através do respeito e aceitação. Não fazemos distinção por causa da orientação sexual e religiosa. Tentamos respeitar efetivamente o espaço um do outro, considerando suas especificidades. O assunto ainda é tratado com discrição, apesar de abrirmos espaço para debates sobre o assunto em escolas e reuniões, esclarece Kauã.

“Meu papel é garantir que todos, independentemente de gênero, religião, tenham seus direitos salvaguardados e protegidos. Trabalhamos com os jovens para minimizar o preconceito e a discriminação nas aldeias. Acredito que, independente da cultura, condição financeira, religião, os LGBTI+ merecem respeito e merecem viver com dignidade. Como chefe de um povo, trabalho para que todos exerçam suas habilidades, sejam elas intelectuais, artísticas, profissionais ou sexuais, que são respeitadas por isso”.

Perpétua, 41 anos, transexual.

Esta é Perpétua, 41 anos, ela é indígena e trans, e muito bem resolvida com sua identidade de gênero, mas nem sempre foi assim.

Na SEGUNDA PARTE, abordaremos uma crônica de resistência e conheceremos melhor nossa personagem Perpétua.

Por: Jefferson Cândido (@jeffcoult)

 

 

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