Por que Queer?

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Por Rafael Mesquita

Compreendemos Queer como um campo de atuação teórico e ativista que começou a ser elaborado ainda nas décadas de 1980 e 1990, mas que só ganhou ressonância no Brasil em fins do século XX.

Palavra de origem inglesa, Queer é originalmente um xingamento, uma injúria contra a população não-hetorossexual, que pode ser traduzido por: estranho, esquisito, ridículo, algo análogo a “bixa”, “viado”, “baitola” e “sapatão” para os brasileiros, mas que foi alvo de uma apropriação linguística que levou a palavra a ser usada como fonte de orgulho e para expressar formas de vida em desacordo com as normas socialmente aceitas.

Assim, como coloca Tamsin Spargo na obra “Foucault e a teoria queer”, Queer, reivindicado como expressão da transgressão, agindo como oposição à norma e à normalização, nomeia um conjunto populacional com desejo de romper as amarras do projeto de poder regulador que as heterossexualidades construíram.

Queer foi também captado por pesquisadores pós-estruturalistas para dar título a um campo cientifico que demanda uma nova mentalidade em torno dos corpos, faz a exigência de existência e aceitação de grupos subalternizados pelo sistema de normas sociais relacionadas à sexo/gênero e denuncia ainda a imposição de comportamentos.

As pesquisadoras da chamada Teoria Queer Berenice Bento e Judith Butler afirmam que o postulado Queer ajuda a “desnaturalizar” os processos de formação das orientações, identidades e expressões sexuais e de gênero, e, também, a enxergar a possibilidade de uma “não-identidade”.

As teorias/ativismos deste campo possuem alguns eixos, como a não naturalização das “bioidentidades” coletivas e individuais; a denúncia das relações de poder que são funcionais para as estruturas da diferença sexual; a problematização das binaridades; o reforço da dimensão humana; e a crítica das polarizações produzidas no gênero (masculino x feminino) e na sexualidade (homossexual x heterossexual).

Portanto, a abordagem queer já era forte elemento de ativismo e militância de gays, lésbicas e pessoas trans nos Estados Unidos e, como lembra Berenice Bento é dotada de originalidade, tendo em vista que a perspectiva queer ressignifica os insultos que produziram horror, medo profundo e que de alguma forma organizaram as subjetividades homossexuais e transexuais, em meio ao enfrentamento de um “homoterrorismo” acionado contra estes corpos dissidentes.

Tal contexto colaborou para que esses sujeitos nominados como anormais produzissem, nas instâncias da vida, o desejo de serem amados, respeitados e incluídos, mesmo que por meio da inclusão via assimilação, silêncio e invisibilidade.

como no postulado do movimento social Queer, demandamos, neste trabalho jornalístico aliado das causas e corpos dissidentes, a incorporação política do outro que foi abjeto. Esta ordem Queer, portanto, indica a ruptura da gramática do desejo, da sexualidade e da vida do outro tido como normal.

“Acredito que o ‘pulo do gato’ que os estudos/ativismo queer inauguram é o olhar para o ‘senhor’ e dizer: ‘Eu não desejo mais teu desejo. O que você me oferece é pouco. Isso mesmo, eu sou bicha, eu sou sapatão, eu sou traveco. E o que você fará comigo? Eu estou aqui e não vou mais viver uma vida miserável e precária. Quero uma vida em que eu possa dar pinta, transar com quem eu tenha vontade, ser dona(o) do meu corpo, escarrar no casamento como instituição apropriada e única para viver o amor e o afeto, vomitar todo o lixo que você me fez engolir calado'”, diz Berenice Bento em “Transviad@s: gênero, sexualidade e direitos humanos”.

Diante da reivindicação Queer, a personificação da norma – o homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão – é levada a acertar as contas com o “abjeto”, que, por sua vez, rejeita a posição fantasma, vergonha e lixo social, para enfrentar a lógica societária que lhe atribuiu valor, estabeleceu divisões e que,  de formas sutis ou violentas, também o distinguiu e o discriminou.

A perspectiva Queer nos leva a repensar as narrativas convencionais, a dar voz àqueles que foram silenciados e a desafiar as estruturas que perpetuam a exclusão e a opressão. Nesse contexto, a reivindicação queer significa mais do que uma simples rebelião contra as normas; é um convite para construir uma sociedade mais inclusiva, onde todos possam viver plenamente, amar livremente e ser respeitados em sua singularidade.

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