Por Rafael Mesquita
Nos últimos três dias, através do Diagnóstico LGBT+ na Pandemia, assim como de outros levantamentos e opinões de especialistas, explicamos como a crise de Covid-19 atinge as pessoas LGBTI+.
Entre os três maiores impactos, observamos piora na saúde mental; reforço de violências, exclusão e solidão; e falta de fonte de renda.
Entendemos, neste percurso, que problemas frequentemente enfrentados pela população dissidente da cis-heteronormatividade foram severamente agravados neste novo contexto.
Concluímos que não só a crise sanitária, como o contexto político, de ataque aos direitos e à cidadania LGBTI+, pioram a situação.
A #VoteLGBT, responsável pela pesquisa citada, chegou, inclusive, a apontar um índice de vulnerabilidade (muito baixa, baixa, média, alta e grave) deste segmento em relação ao novo coronavírus, identificando os grupos ainda mais expostos nesta cruel conjuntura.
Conforme esta análise:
- A vulnerabilidade de todo o agrupamento LGBTI+ é ALTA;
- Em relação a cada identidade e cada característica (identidade de gênero e raça) da sigla, mulheres e homens cis, brancos, asiáticos, lésbicas e gays têm vulnerabilidade ALTA;
- Mas o destaque fica por conta de pessoas trans, bissexuais, pretos, pardos e indígenas, cujo índice de vulnerabilidade à covid-19 é GRAVE.
Por fim, de acordo com o estudo, dentro desta métrica, a chamada “exposição ao risco” de toda esta população de sexualidade diversa é grave.
“É possível ver que as desigualdades sociais vivenciadas no Brasil se somam às exclusões sofridas dentro do universo LGBTI+, deixando os indivíduos em uma complexa realidade com muitas dificuldades e poucos recursos para contornar esta crise”, conclui o relatório da #VoteLGBT+.
E o que pode ser feito agora?
A #VoteLGBT+ dá algumas dicas (emergenciais) para enfrentar a pandemia e outras crises desta natureza:
1. Apoio Emocional
- Sempre mantenha contato com seus amigues LGBT+;
- Certifique-se que estejam seguros emocionalmente;
- Caso perceba a necessidade, conecte os amigues com profissionais e instituições especializadas em saúde mental.
2. Apoio Social
- Faça parte da rede de apoio de seus amigues;
- Use canais seguros de comunicação;
- Certifique-se de que seus amigues estejam seguros socialmente;
- Busque maneiras de levá-los para locais seguros;
- Converse com pessoas e esclareça sobre o movimento LGBTI+;
- Divulgue informações verdadeiras e de qualidade sobre as questões LGBTI+.
3. Apoio Financeiro
- Ajude pessoas LGBTI+ a acessarem fontes de renda;
- Escolha comprar de pessoas LGBTI+;
- Priorize a contratação e indicação, para trabalhos fixos ou para freelas, de profissionais LGBTI+
Qual a necessária mudança estrutural?
“O isolamento involuntário, as dificuldades de acesso à cidade, ao afeto, à renda e às políticas sociais são questões já presentes no cotidiano desta população e foram agora potencializadas, agravando os processos de desigualdade que revelam a LGBTfobia como sistema estrutural da nossa sociedade”, destaca Tel Cândido, coordenador do Centro Referência LGBT Janaína Dutra, de Fortaleza (CE).
Sendo estrutural, Tel chama atenção para uma questão que é consenso no movimento social e nos estudos sobre o tema: a retirada da população LGBTI+, e especialmente da comunidade trans, da vulnerabilidade, passa pela promoção de políticas públicas.
Entre as principais demandas, presentes nos relatórios das Conferências Nacionais LGBTI+, entre outros documentos, destacam-se:
- Inserção no mercado de trabalho formal;
- Combate à violência e à discriminação na escola;
- Promoção da cidadania LGBTI+;
- Inserção da temática LGBTI+ no sistema de educação básica e superior;
- Promoção da diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero nas políticas intersetoriais;
- Promoção de programa de cultura e comunicação em direitos humanos;
- Promoção e defesa dos direitos LGBTI+ na segurança pública e no sistema de Justiça;
- Criação de marcos jurídicos e normativos para o enfrentamento à violência contra a população LGBTI+.
A criação de políticas públicas afirmativas em educação, cultura e economia, por exemplo, fazem parte de um necessário processo de mudança sociocultural. Afinal, como destaca o mestre em sociologia Mário Fellipe, “a falta de acolhimento se dá por conta de uma cultura internalizada do desrespeito, do odeio à diferença”.
Porém, Mário Felipe adverte: a negação da cidadania LGBTI+, assim todos os valores morais e religiosos que tentam justificá-la, fazem parte de um projeto de governo, o projeto político que hoje dirige o país.
“Por mais que a gente tenha tido uma série de ganhos jurídicos, ganhos sociais, de reconhecimento social das homorapentalidades, de reconhecimento do nome social, aparição nos meios de comunicação de massa, a gente tá tendo um governo que vem pautando a sua política a partir da implementação de pautas morais de retorno a uma concepção de família, de fé, a uma concepção de política extremamente obsoleta, extremamente atrasada, que não dá mais conta pra um mundo social contemporâneo, um mundo de mudanças, um mundo de conquistas, de avanços”, destaca o mestre em sociologia.
Apagão de demandas LGBTI+ no Governo Federal
O movimento LGBTI+ brasileiro já vem denunciando que há um verdadeiro apagão das políticas para o segmento no Governo Jair Bolsonaro.
Houve a dissolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT+ (CNCD LGBT+), que foi “recriado” com a diminuição da quantidade de membros, de 30 para sete, sendo quatro membros do governo e três da sociedade civil, e a exclusão da pauta sobre orientação sexual e identidade de gênero.
Além disso, Bolsonaro retirou a população LGBT das diretrizes de Direitos Humanos. Houve também a descontinuação de programas de combate à LGBTfobia ou simplesmente a negativa da demanda em campanhas e ações do Ministério dos Direitos Humanos, chefiado pela ultraconservadora Damares Alves, que acumula diversos embates com a população de sexualidade não normativa.
O apagamento também levou ao cancelamento dos levantamentos de dados sobre discriminação e violência e a destruição de coordenações e projetos LGBTI+ nos ministérios da Educação, da Cultura e da Justiça.
E, como tem ficado evidente, não há, até o momento, nenhuma iniciativa organizada em plano federal para inibir os impactos da pandemia sobre essa população ou minimizá-los.
O que nos resta?
A resistência!
Como colocou o manifesto de criação do Conselho Nacional Popular LGBTI+, lançado em 28 de junho deste ano, é preciso fortalecer o processo de resistência contra os desmontes das políticas públicas e potencializar ações que promovem ações solidárias, o acesso ao direito e a cidadania LGBTI+.
Com 24 organizações nacionais participantes, o Conselho tem o propósito de “fortalecer um projeto popular amplo e democrático” que fomente políticas públicas e sociais voltadas a atender lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e outras orientações sexuais e identidades de gênero.