Por Carlos Filho
Familiares, amigos e ativistas da causa LGBTQIA+ reuniram-se na tarde da segunda-feira (11) na cidade de Camocim, região Norte do Estado, para prestar homenagem e pedir justiça pela morte da adolescente trans Keron Ravach, de apenas 13 anos, assassinada a socos, chutes, pauladas e facadas.
Organizado pela ONG Mães Pela Diversidade, formada por mães e pais de pessoas LGBTQIA+ presente em 23 estados do Brasil, o manifesto percorreu as ruas da cidade com o intuito de chamar a atenção da população e das autoridades responsáveis para mais um crime de transfobia no município cearense, o primeiro registrado em 2021.
Com placas, faixas, bandeiras e gritos de “Keron presente”, os manifestantes partiram da Avenida Beira Mar em direção à Delegacia Municipal, finalizando a caminhada em frente à Prefeitura, em um ato que também contou com a participação do Instituto Arte de Viver, que atua em defesa dos direitos humanos na cidade, da Coordenadoria LGBTQIA+ do município, do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher – CCDM e da União Nacional LGBT (UNA).
O crime
O caso aconteceu na madrugada do dia 4 de janeiro após a cobrança de uma suposta dívida entre Keron e o assassino, que em depoimento à polícia, confessou o crime e alegou não ter o valor cobrado pela vítima e por isso a teria matado com socos, chutes, pauladas e facadas.
Após cometer o crime, o assassino confessou para a mãe onde tudo aconteceu e a mesma acionou de imediato a Polícia Militar, que após 13 horas de buscas conseguiu localizá-lo efetuar sua prisão. O corpo de Keron foi encontrado em um terreno baldio no bairro Apossados, região periférica da cidade, com as mãos amarradas, garganta cortada, olhos furados, cabeça quebrada e roupas introduzidas no ânus.
Segundo o delegado responsável pelas investigações, Herbert Ponte, o assassino já possui antecedentes criminais por furto e assalto, além de ser usuário de drogas. Após ser apreendido, o jovem prestou depoimento, onde foi registrado ato infracional por crime de homicídio, e em seguida transferido para um Centro Socioeducativo no município de Sobral, a 180 km de Camocim.
Cidade transfóbica
A morte de Keron não é o primeiro crime de transfobia registrado em Camocim. Há 10 meses, a cidade também ficou perplexa com o assassinato brutal de Luanny Kelly, de 22 anos, perseguida e morta a pedradas, pauladas e gargalos de garrafa por quatro homens no Centro da cidade. A memória de Luanny também foi destacada pelo protesto, assim como foi reforçada a necessidade de apuração do crime.
Ambos os casos reacendem o alerta para crimes de ódio, sobretudo praticados com requintes de crueldade e motivados por questões de gênero no Ceará, o segundo estado que mais mata pessoas trans no país, perdendo apenas para São Paulo.
Segundo dados revelados pelo dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 80% dos assassinatos contra pessoas trans apresentaram requintes de crueldade, ou seja, a maioria das mortes ocorreram após violência excessiva. Do total, 80% eram negras, 97,7% do gênero feminino e apenas 8% dos casos tiveram suspeitos identificados.
Também não é o primeiro assassinato contra pessoas trans menores de idade. “É assustador pensar que jovens e crianças trans estão sendo assassinadas cada vez mais cedo”, disse a Antra, que lamentou em rede social o assassinato de Keron.
“Uma criança trans de 13 anos foi brutalmente assassinada no Ceará. Tendo sido espancada com chutes e pauladas. Mais uma vida trans perdida prematuramente em função do ódio e da transfobia, já nos primeiros dias de 2021.”
Keron presente
Com apenas 13 anos e repleta de sonhos, Keron Ravach era uma jovem transexual no início de sua transição. Residente na Flamenga dos Rosários, zona rural do município de Camocim (CE), a 360 km de Fortaleza (capital cearense), ela possuía personalidade acanhada e encontrava na arte da dança sua principal válvula de escape. Seu sonho era ser digital influencer e sempre dizia à família que um dia iria aparecer nos principais telejornais.
Keron faria 14 anos dia 28 de janeiro. A adolescente estudava na Escola de Ensino Fundamental Francisco Ottoni Coelho. A instituição publicou nota de pesar nas redes sociais pelo falecimento.
“Neste momento de dor e indignação, toda comunidade escolar se solidariza com os familiares, amigos e colegas, e expressa as mais sinceras condolências.”
Ponto de vista
A morte de Keron não indica apenas uma triste estatística para o município de Camocim, ela também denuncia a falta de políticas públicas voltadas à prevenção e preservação de vidas LGBTQIA+ em todo o território camocinense. Um dado negativo que só demonstra a omissão do poder público diante de tantas mortes violentas, evidenciando a vulnerabilidade e a invisibilidade da comunidade transexual de forma estrutural, um recorte social revoltante da desvalorização da vida, do sucateamento dos órgãos que deveriam agir ao invés de fechar as portas, como aconteceu quando o manifesto chegou em frente ao prédio da Prefeitura. Falta diálogo, falta planejamento, falta entendimento de causa, falta tudo, falta a Keron. Quantos mais de nós terão que morrer até que o poder público entenda seu papel de agente emancipador, educativo e de proteção? Parem de nos matar, parem de ser coniventes.