Roberto Muniz Dias, colunista Mídia Queer
…foi assim que um internauta (até este momento eu não tinha lido toda a matéria, mas eu sabia do fato) descreveu a sentada (sexo) entre os participantes de uma série na MTV brasileira. O casal (e entendamos casal aqui, mesmo na contingência e confinamento, uma relação de consentimento mútuo) está demonstrando afeto, e pelo que vi e assisti, de uma forma bem pessoal, com naturalidade (detesto esta palavra), com intimidade e todas as discussões que estão reverberando nesta edição da emissora.
Temos também neste cenário, situações em que se cria expectativa de sexo entre casais convencionais de forma livre e sem censura. Mas esta edição, me parece, começou com críticas (dos outros, sabemos quem são) justamente porque havia uma personagem gay nesta história (continuo sem dar detalhes destas personagens, vamos aos fatos).
Portanto, diante desta situação e por toda conjuntura a que passamos (embora a atração televisiva seja transmitida em TV a cabo), estamos presenciando o que nunca se via regularmente na televisão. De fato, este mesmo canal, muitos anos atrás, ousou em colocar um homem gay solteiro a procura de um namorado num programa dentro da grade deles. Faz muito tempo (vocês que se recordam do programa sabem que também houve polêmica, a famigerada genealogia do beijo gay na TV).
Enfim, voltando às manchetes envolvidas com o casal que se estabeleceu neste novo projeto, uma cena de sexo gay foi manipulada (editada) pelos censores da TV e não foi ao ar. Logo, a comunidade toda se rebelou pelo fato de que a censura promovia uma verdadeira cena de preconceito quanto ao ato sexual do casal.
Pois bem, Ministério Público acionado estrategicamente por nossa militância diligente e atenciosa, a cena foi ao ar (eu ainda não li toda a matéria). Mas diante deste rebuliço todo, um internauta disse que a sentada “era sem graça”, referindo-se à cena de sexo entre os dois participantes. Aí vem meu questionamento (ou seria incômodo?): desde quando temos a possibilidade de ver uma cena, DE SEXO (grifos meus), entre dois homens GAYS foi algo imaginado dentro desta construção social que o patriarcado machista e homofóbico fez durante (e ainda o faz) todo esse nosso processo de construção de nossa sexualidade? Quem estava esperando uma cena digna de sites pornográficos? Afinal, não era uma cena ensaiada. Era completamente íntima, em que pese os holofotes televisivos. Não era nada combinado. Pelo que vi, eles estão se conhecendo, não estabeleceram nenhum contrato, tampouco a TV (pré)conceituosa exigiu que eles desenvolvessem a cena mais quente com todos os detalhes do sexo farmacológico, esteticamente editado e supervalorizado dos filmes pornôs.
Que expectativas criamos diante de nossa própria sexualidade para mensurar qual o padrão de performance devemos ter? Isto é opressivo demais. Já não basta termos que provar que nosso amor, e agora o sexo, não é pecaminoso ou maldito, temos que ainda provar que fazemos da forma mais adequadamente perfeita? Eu imagino como deve ser um sentada aprazível a este internauta incauto.
Talvez (e não é juízo de valor) devesse ser ela elaborada sob a mais estrita função de nos entreter, ou de criar uma consciência (não romantizada, é claro) de que o afeto ali é genuíno e altamente transgressivo? Não basta saber que a justiça foi acionada e, por isso, uma ideologia perversa e insidiosa em nossa sociedade sofre uma ligeira dinamitação? Eu não esperava uma alta perfromance e se houvesse “nena” (não sou cropófilo, mas também não seria o problema aqui), eu acharia ainda mais real.
Pensamos demasiadamente na perfomance de nosso sexo como se fosse algo para ser reproduzido em sites pornôs (e, mais uma vez, nada contra o uso destes meios, ainda mais nestes tempos de pandemia). Não sou moralista por um sexo limpo. Não existe isso, como diria o escritor cubano Pedro Juan Gutierrez, parafraseando-o “sexo tem que ter cuspe, porra e merda”. Mas não precisa ser performático, claro que pode sê-lo, se for um combinado, uma transação, que (eu acho) deve ser tão requintada e demasiadamente preparada que o tesão sumiria no instante da alta-perfromance. Enfim, eu acho que a sentada foi deles e nossa também. Poderia ser tudo ensaiado, mas não seria o intuito do programa. Afinal, todes estávamos esperando o sexo entre eles, e a sentada foi histórica.
P.S. Pronto! Li as matérias para não ter que ficcionar nada do que pensava sobre os fatos. Matheus e Léo, no programa “De férias com o Ex”, foram as personagens da cena. Agora vocês podem verificar toda a repercussão no seu canal favorito.
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Roberto Muniz Dias é professor, romancista, dramaturgo, mestre em Literatura pela UNB (Universidade de Brasília) e doutorando em literatura pela UFPI. Formado em Letras Português/Inglês e Direito pela UESPI (Universidade Estadual do Piauí). Foi premiado em 2009, pela Fundação Monsenhor Chaves com menção honrosa pela obra “Adeus Aleto”. Foi premiado pela FCP (Fundação cultural do Pará) com o texto teatral As divinas mãos de Adam, como melhor texto teatral de 2015, e o Troféu em Cena 2018 pelo texto teatral A bacia de Proust. Ainda recebeu os prêmios 16º Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade de 2016; 3º Prêmio educando para o respeito à diversidade sexual e Prêmio beijo livre direitos humanos 2017, todos na área de Educação. Recentemente, foi premiado com o troféu Os melhores do teatro Piauiense(2019) pela peça Dorothy.