Transexual de 44 anos aprende a ler e escrever durante a pandemia

Realizado por professoras da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), projeto presta auxílio a travestis com doação de cestas básicas; iniciativa clama por doações

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Perder o pai assassinado aos 9 anos de idade. Abandonar a escola na primeira série. Ter que ir trabalhar com serviços domésticos logo em seguida para ajudar a pagar as contas de casa. Presenciar a mãe sendo consumida pelo câncer. A vida tem testado os limites de Veluma Oliveira, mas a oportunidade de aprender a ler e escrever, mesmo aos 44 anos, ela não poderia deixar passar.

A pandemia trouxe o desemprego, é verdade, mas veio também a realização de um sonho antigo. Veluma agora dá os primeiros passos na formação de palavras e frases. Dia desses até conseguiu ler o nome de sua rua.

Outras fomes

Afetada no estômago pela crise financeira, a transexual foi atrás de cestas básicas que estavam sendo doadas por professoras da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Mas como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade, havia outras fomes. “Eu disse que meu sonho era aprender a ler”, relembra a auxiliar de serviços gerais. A vontade sempre existiu, mas com o surgimento do aplicativo de mensagens, o incômodo ficou maior. Não conseguir ler no WhatsApp deixava Veluma ressabiada.

Próxima missão: encontrar alguém disposto a ministrar as aulas de leitura e escrita de forma voluntária. Rapidamente entrou na história uma jovem estudante de 19 anos. Nicolly Cinthia é aluna de pedagogia e aderiu de imediato ao chamado do projeto da UFU. Já tinha até experiência adquirida anteriormente, quando tentou ensinar sua avó e uma tia a ler e escrever. “É uma honra poder ajudar as pessoas e transmitir esse conhecimento, ainda que pequeno”, diz. “Essas meninas caíram do céu pra gente”, agradece Veluma.

Projeto carece de doações

Batizada de “Não é sexta, mas cesta”, a ação, coordenada pelas professoras Amanda Danuello e Flavia Bonsucesso, ambas da UFU, passa por dificuldades e precisa de ajuda. Ao longo do período de isolamento social, a demanda por alimentos mais que dobrou, enquanto a quantidade de donativos caiu. O projeto atendia 100 pessoas por mês, mas hoje são 235 beneficiadas – a maioria composta por travestis, mulheres transexuais e suas famílias. “É muito desesperador, pois não estamos dando conta da demanda”, revela Amanda.

A marca indelével do preconceito

“Vergonha é roubar e matar”, arremata Veluma se alguém se aventura a mandar alguma indireta sobre sua temporária dificuldade em ler e escrever. Quando chega mensagem de texto em seu celular, ela logo diz para mandar áudio. “Mas agora tem muita coisa que eu vejo o texto no Facebook, vou juntando as letras e estou conseguindo (entender)”, diz. “Tem que ter objetivo e força de vontade”, completa.

Mesmo desempregada, é com garra e resignação que ela tem frequentado as aulas de Nicolly duas vezes por semana. Para cumprir as regras de distanciamento, a professora vai de Uber até a casa de Veluma, para evitar andar de transporte coletivo.

Preconceito ainda é uma palavra que aparece bastante no dicionário da população transexual e travesti – infelizmente. Como vítimas, claro. A diretora da escola em que Veluma tentou estudar implicava com as roupas que ela usava. Uma outra transexual atendida pelo projeto da UFU foi barrada ao entrar em um banco de Uberlândia. Os relatos de abuso vão se acumulando. “A maioria delas teve que abandonar a escola cedo e não consegue arrumar emprego”, explica a jovem Nicolly.

Enquanto Flavia e Amanda instruem sobre solidariedade e Nicolly ensina a ler, as transexuais dão lições sobre resignação e luta por direitos básicos. “O que mais me chama atenção é o quanto elas são solidárias umas com as outras. Mesmo não tendo nada, sempre estão dispostas a se ajudar. Não tenho como mensurar o que esse projeto tem sido na minha vida”, conclui Amanda.

Donativos

Interessados em ajudar a iniciativa podem contribuir com alimentos, itens de higiene ou doações por meio de transferência bancária. Os dados são:

Fundação de Apoio Universitário – FAU

CNPJ: 21.238.738/0001-61

Banco: 001 – Banco do Brasil

Agência: 2918-1

Conta Corrente: 92.902-6

Email de contato: danuello@ufu.br

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