Kaio Lemos: Transições em subjetividades e as artes de viver!

Neste texto, nosso colunista fala sobre a ruptura de regras e normas que acontecem durante os processos transitórios, que abalam a normatividade vigente na sociedade.

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Ilustração: Carla Trindade
Por Kaio Lemos, colunista do Mídia Queer

Na imensidão do que se entende por performance, vou me deter em um só ponto: o momento da exposição! Aquela, aquele ou aquilo que vemos – um corpo exposto sendo construído – apresenta marcas de seus processos de criação, e essa criação nada mais é do que “A criação”.

Surge feitura dessa criação! Não falo de um fazer como um passe de mágica, mas sim a partir de transições, mudanças e modificações. Surge a figura! Está lá exposto, é possível vermos sua presença. Isso é o que entendo por performance e performatividade: a força da criação (subjetividade) misturada com sua forma (signos) emergindo sua identidade (performatividade).

Esses processos, muitas vezes, são articulados, outras vezes, não. Esses processos também são desejados e almejados, mesmo que tudo seja o contrário de uma norma, mesmo que digam que sejam impossíveis. Mas existem subjetividades, como já havia escrito logo acima, existe o desejo de pertencer; e todos esses processos são processos transformadores e que desafiam.

A transição desconstrói o cotidiano. É o contrário do imposto pela sociedade e suas normas. É o contrário de uma linguagem simbólica e também contrário ao “manual cultural”, estudado por Victor Turner. Essa ruptura de regras e normas que são criadas, vividas e acreditadas quando são desconstruídas dão lugar a um novo fenômeno chamado por muitos de “transformação”, “revolução” – e por que não “transição” e/ou “externalização”? Até porque esse processo não rompe normas e nem representação no mundo, e sim se desloca e recoloca-se como um fato extraordinário e de grande importância para as relações sociais. Contudo, a transição e suas construções/desconstruções produzem conflitos, contradições e incômodos, pois escapam da malha; escapam do que chamam de “sentido de percurso” e escapam mais ainda do “natural” que está ligado a uma imposição biológica.

Os processos transitórios produzem um olhar diferenciado e apurado, pois é por meio desse fenômeno que percebemos três situações:

1) toda uma estrutura normativa regendo todos os comportamentos e linguagens simbólicas; quem pode e quem não pode, quem é e quem não é, etc.;

2) outras estruturas, para além dessa, que regem e que sempre estão no lugar de assujeitamento da estrutura dominante, mas que criam seus mecanismos de vivências e de práticas discursivas;

3) como essas estruturas se relacionam ou não em suas características especificas e constitutivas.

A transição marca o ser social quando reivindica e torna legítimo seu discurso. Agora, cabem aos indivíduos que vivenciam essa realidade de construção/desconstrução muitas disposições, pois, como bem observou Turner, não somente nasce um novo ser social, como se modifica toda uma ontologia através dos trânsitos e trajetórias.

Um outro ponto importante sobre a transição é quando ela acontece não mais com um único ser, um único indivíduo, e sim com toda cultura e suas estruturas hierárquicas e de posições sociais; mas, como já havia dito, toda transição nasce no conflito, nas contradições, dificuldades e, principalmente, na dor, podendo gerar até mesmo violências e características ditas como “anormais”.

Quando falo “anormal” estou falando daquilo que não faz sentido para essa sociedade normativa, pois foge da regra e foge da lógica de uma linguagem simbólica normativa, daquilo que não foi ensinado e muito menos aprendido. E, quando falo de violências, não me refiro unicamente à violência física – essa pode ser a menos evidenciada nesse espaço apresentado –, e sim de negação e silenciamento e não-pertencimento do sujeito.

Todos esses processos são complexos e, para vivenciá-los, é preciso que estejam validados e diferenciados, e só assim os conflitos, as contradições, os binarismos e principalmente as linguagens simbólicas, que são estenotipadas e “anormais”, se distanciam, se desconstroem.

Neste texto foram citada a seguinte referência:

TURNER, Victor. Liminal ao liminoide: em brincadeira, fluxo e ritual. Medições, Londrina, v. 17 n. 2, p. 214-257, jul./dez. 2012.

Kaio Lemos: Homem transativista dos direitos humanos, Consultor do Instituto de Raça, Igualdade e Direitos Humanos da ONU (AMÉRICA LATINA), Mestrando em Antropologia pela UFC UNILAB/CE, Especialista em Estudos de Gênero, Sexualidades e Direitos Humanos pela UFC/CE, Bacharel em Humanidades (UNILAB), Bacharel em Antropologia (UNILAB) e Presidente da ATRANSCE (Associação Transmasculina do Ceará).

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