Ari Areia: Sob o peso dos meus amores

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Por Ari Areia, colunista Mídia Queer

O Leonilson bordou isso numa obra. É aquela que tem um homem carregando sozinho um mundo (assim, feito algo encangado no pescoço). Ele bordou esse homem carregando o mundo, ai botou na parte de cima sobre o peso dos meus amores e na de baixo sob o peso dos meus amores. No meio, tem coisas bordadas também, mas (como são, de fato, o peso) eu posso falar delas em outra oportunidade. Não sei se eu gostaria de falar com vocês agora sobre o peso dos meus amores, talvez alguma linha sob o peso deles valha a pena. Eu espero.

Peso pode ser a força exercida por um corpo sobre qualquer superfície que se oponha à sua queda. A gente nunca pensa primeiro na queda, então eu explico: no texto que eu publiquei aqui semana passada, falei de queda a partir da metáfora pertinente do Ailton Krenak em ‘Ideias para adiar o fim do mundo’. Peso também pode ser a força que mantém um corpo no chão. Mas vamos ficar com a imagem da queda: se ela também pode ser entendida como trajetória entre dois pontos, queria refletir aqui sobre pesos e sobre os “acidentes de percurso” que vão se opondo a esse constante desabar da vida antes de atingirmos de todo o chão.

Eu venho de uma família evangélica, meu pai é pastor. Contar tudo sobre ser gay, há 10 anos, eclodiu uma avalanche (ainda é assim hoje?). Precisei sair de casa, arrumar outro jeito de dar conta da vida, esse roteiro que vocês já sabem como se dá. Mas no meio do caminho houve o amor, tanto que eu nem esperava. E amores, nessa nossa metáfora desajeitada, podem ser como superfícies que se opõem à queda e fazem sentir seu peso. Se não fosse o Tavares, com quem eu fui casado boa parte desse tempo todo, talvez eu nem tivesse saído do armário naquela época e, se tivesse, não sei como teria chegado até aqui. Foi imprescindível ter vindo segurando a mão dele. Mas não é só de amor romântico que eu estou falando (mesmo quando me refiro ao Tavares), transcende.

A minha avó, dona Lourdes, por exemplo, também me fez sentir o impacto disso a que me refiro quando me chamou pra conversar na cozinha da casa dela, lá no Pirambu, na época da avalanche, e disse “não tenho como acolher você e seu companheiro aqui, minha casa é pequena” (e eu nem tinha demandado a ela esse abrigo), mas mandou eu esperar um pouco, foi lá dentro e trouxe uma caixa com dois pratos, dois copos, duas xícaras e dois talheres que tinha separado dos dela, e me abraçou falando “aqui, pra você recomeçar a sua vida”.

Não sei se nada disso está fazendo sentido, mas eu vou em frente como o homem bordado que carrega sozinho um mundo encangado no pescoço tentando dizer qualquer coisa sob o peso dos seus amores. Eu sou de falar coisas bonitas quando me apaixono, mas a crônica não é sobre isso. Esses dias, lembrei de quando eu era só um rapazinho tímido começando a palmilhar essa cidade já fora do armário e um funcionário da segurança do Theatro José de Alencar veio constranger a mim e ao Tavares porque não podia estar ali daquele jeito (o jeito era sentado de mão dada no jardim), eu respondi, eu falei alto, sob o peso dos meus amores, e nunca mais baixei o tom.

Ari Areia: Ator, jornalista, militante dos direitos humanos, ativista LGBTI+ e socialista.

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