A sororidade e a dororidade das mulheres de Axé

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Fotos: Divulgação
Por Silvia Maria Vieira, colunista Mídia Queer
Arreda homem aqui chegou mulher
Arreda homem aqui chegou mulher
Ela pombo gira rainha de todo axé…

Você conhece alguma mulher de terreiro? Já comprou alguma mercadoria produzida por uma dessas mulheres? Você reconheceria na rua uma mulher pertencente às religiões de matriz africana? O que elas tem em comum com as Pombo giras e/ou com as Iabás do candomblé?

Rose, Ana, Sandra, Kalina, Carmem, Mirella, Maria, Hélia, Kildênia, Madalena, Jane, Adriana, Clecia, Liliane, Cynyra, Cirleide, Claudia, Conceição, Paula, Heroina, Silvana, Valdenia, Elba, Célia, Lara, Jamili, Evelane, Josyhellen, Vanusa, Magna. Estas e muita outras são Elas do Axé.

Quem são estas mulheres que ocupam terreiros de 7 municípios da Região Metropolitana de Fortaleza. Onde elas moram? Como elas vivem? Que dores e amores carregam?

Quero contar a você o meu encontro ancestral com ELAS DO AXÉ quando conheci estas participantes ativas do Projeto que foi iniciado com esse nome e que já está marcando a história do Candomblé e da Umbanda no Ceará. São 95 mulheres entre iaôs, ekedis, cambones, ialorixas, sacerdotisas, mães pequenas, iniciadas dessas duas religiões de matriz africana.

O projeto mulheres de terreiro contra o preconceito e a violência de gênero, intitulado Elas do Axé, tem o objetivo de mobilizar e capacitar as mulheres de terreiro para o enfrentamento da violência de gênero e do preconceito religioso, promovendo o empoderamento e a valorização das culturas tradicionais.

A Construção do Perfil das Mulheres de Terreiro a partir de um questionário socioeconômico e religioso foi uma de nossas ações. Sistematizamos um total de 91 perfis, os quais foram desvelados aspectos importantes da trajetória destas sujeitas.

São 49 mulheres de umbanda e 40 de candomblé, sendo que duas tem duplo pertencimento religioso participando tanto de uma como de outra destas religiões. A maioria (78 pessoas) são jovens e adultas entre  21 e 60 anos.

Esse dado nos mostra que as participantes estão em idade economicamente ativa, contudo 42 estão desempregadas (entre as que já trabalharam e as que  nunca tiveram uma ocupação), 27 trabalham por conta própria nas mais diversas atividades (costureiras, revendedoras, diaristas, manicures, artesãs, cabelereiras, cozinheiras, feirante e restauradora de imagens), 12 trabalham informalmente, 09 são celetistas, 01 é aposentada. A renda familiar da maioria destas sujeitas (58 num total) é de até um salário mínimo.

Quanto ao recorte étnico-racial, constatei um número expressivo de negras (75 entre pretas e pardas), 10 brancas, 03 indígenas e 02 amarelas.  Do mesmo modo, 10 participantes tem orientação sexual lésbica ou bissexual e também uma destas mulheres tem identidade trans.

Ao serem indagadas acerca do seu estado civil, 39 responderam que são casadas ou vivem com companheiros, 37 que são solteiras,  07 separadas e 08 viúvas. No que se refere à prole, a maioria possuem filhos (59). Destas, 52 sujeitas tem entre 01 e 03 dependentes biológicos.

A maioria destas mulheres possui um grau de instrução referente a última etapa da educação básica, sendo 27 com o ensino fundamental incompleto, 05 com o ensino fundamental completo,  24 com o ensino médio incompleto e 25 com o ensino médio completo. Apenas 02 delas se declararam analfabetas e 08 possuem o ensino superior.

O primeiro contato e a iniciação de muitas destas mulheres na religião foi entre a infância, a adolescência e a juventude. Algumas possuem cargos importantes em suas respectivas casas de axé/sarava e afirmam que aprenderam desde cozinhar, e cuidar dos seus santos, até o respeito às diferenças e às mais velhas e mais velhos, a responsabilidade com a comunidade, o cuidado com as pessoas e a humildade de aprender todos os dias.

Este perfil mostra que estas são mulheres comuns, assim como a maioria de todas nós, e sobrevivem com suas famílias nesta sociedade patriarcal, racista e capitalista. O que as tornam diferentes de nós? Além do machismo e sexismo, estas sofrem a violência religiosa cotidiana que é fruto de um racismo estrutural, que além de hierarquizar os grupos étnicos, segrega, invisibiliza e estereotipa  as experiências religiosos-culturais destes grupos considerados subalternos.

São elas do axé que perdem empregos quando não escondem sua religião, que são maltratadas no comércio e chamadas por apelidos preconceituosos, que seus filhos são impedidos de brincarem com outras crianças pelo simples fato de terem sido gerados ou criados por elas que são de terreiro, que deixam de vender sua mercadoria quando as clientes descobrem que são produtos de uma macumbeira, que são excluídas dos grupos da faculdade por conta da religião ou discriminadas por sua própria família.

Macumbeiras sim, com orgulho de bater macumba, um tambor símbolo dessa ancestralidade que teima em resistir diante daqueles e daquelas que insistem em nos matar.

A experiência do Elas do Axé é baseada na sororidade e dororidade. Sororidade por significar essa solidariedade fundamentada no comprometimento e no compartilhamento da luta contra a injustiça patriarcal, o racismo e o capitalismo. Assim como as Iabás e as Pombo giras, que, mesmo com suas diferenças, juntam-se no momento de precisão. E dororidade, porque só uma mulher negra, e aqui acrescento macumbeira, consegue entender e sentir a dor de outra negra macumbeira.

Silvia Maria Vieira dos Santos: Historiadora e Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação Brasileira – UFC. Professora da Rede Estadual e técnica pedagógica da equipe de Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade da CODIN/Seduc.

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