Todas as vidas importam? Fortaleza vive onda de assassinatos de mulheres trans

Oito transexuais e travestis foram mortas na capital do Ceará em 2020, três só na última semana

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Foto: Getty Images/Reprodução
Por Lucas Memória

“Esse número, de uma só vez, traz uma sensação de extermínio, não existe preocupação [Do Estado]”, desabafa Yara Canta, artista e representante da Associação de Travestis e Transexuais do Ceará (Atrac). A preocupação não é recente ou isolada. Somente neste ano, entre as 13 pessoas LGBTQIA+ brutalmente assassinadas, oito eram mulheres trans. De uma semana para cá, foram três mortes violentas.

“Não existe a preocupação de contabilizar esses crimes. Por mais que exista uma lei que equipara a LGBTIfobia ao crime de racismo, nenhum órgão oficial contabiliza esses dados. Como o estado vai tomar iniciativa, fazer alguma coisa, se nega que existem assassinatos por transfobia?”, completa Yara.

A subnotificação de casos é um problema reconhecido pelas entidades que acompanham e monitoram a violência contra grupos minorizados, como o Grupo Gay da Bahia (GGB). Uma das causas seriam as “lacunas dos registros policiais que impossibilitam ao olhar não especializado identificar as características subjacentes aos crimes de ódio, mesmo porque a violência contra a população LGBT+ é multiforme e, sem instrumentos precisos para seu monitoramento”, diz trecho do relatório produzido pela organização, apresentado no primeiro semestre do ano.

A falta de registros policiais, segundo Yara, também é reflexo da falta de preparo das forças de segurança para acolher as denúncias. “Uma amiga minha sofreu agressão e não fez o Boletim de Ocorrência. Ela ficou desacordada e a polícia no local, sem fazer nada. É preciso ter essa conscientização”, comenta. A artista acredita que, além de uma delegacia especializada, falta preparação para lidar com essas situações.

Após a morte da travesti Dandara dos Santos, em fevereiro de 2017, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) orientou a Delegacia da Mulher a passar a receber as denúncias de crimes contra mulheres trans e travestis. Um ano depois, a lei que determina que os boletins de ocorrência apresentem nome social foi aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Camilo Santana. 

Em Fortaleza, o número de mulheres trans mortas em uma semana assusta o grupo mais vulnerável à violência. O caso mais recente aconteceu na última segunda-feira (10), quando Letícia Costa (29), foi morta no Centro. Homens em um carro e duas motocicletas foram vistos nas imediações minutos após os disparos.

Duas outras vítimas foram mortas nos bairros Bonsucesso e Granja Lisboa, respectivamente. A área é conhecida como “Grande Bom Jardim”. Enquanto o primeiro homicídio aconteceu na segunda-feira (3), quando uma travesti foi morta com golpes de faca, a outra vítima, uma adolescente de 15 anos, foi executada dias depois, no sábado (8), após ser atraída para um terreno baldio.

“A gente acredita que há um processo de naturalização da violência contra esses corpos trans”, diz Dediane Souza, titular da Coordenadoria Executiva da Diversidade Sexual de Fortaleza. Sobre os casos recentes, ela pontua que a investigação da Polícia Civil é acompanhada pelo órgão. “Os crimes são investigados pelo DHPP [Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa] e nós estamos monitorando”, confirma Dediane, que não confirma a relação entre os casos, mas não descarta a possibilidade.

Balanço

De acordo com balanço da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil,  instituição nacional que representa a comunidade trans, o Nordeste foi a região com maior quantidade de homicídios. O Ceará se destaca negativamente, como o segundo estado do país em mortes violentas de pessoas trans.

O que diz a Secretaria de Segurança até o momento?

  • Sobre a morte de Letícia, crime mais recente, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) afirmou que “serão colhidas imagens de câmeras de segurança presentes na rua para tentar elucidar o crime”. Um inquérito foi instaurado e o caso é acompanhado pela 4° delegacia do DHPP.
  • Sobre a morte no Bonsucesso, ocorrida no entorno do do Batalhão de Polícia de Meio Ambiente (BPMA), a Polícia Civil ainda não conseguiu identificar a vítima. Apesar disto, indícios foram colhidos para auxiliar no inquérito.
  • Sobre a morte de uma adolescente de 15 anos, um outro inquérito foi instaurado pela DHPP, que realiza diligências com intuito de identificar os suspeitos.

A pasta foi procurada, durante a tarde, com um pedido de nota sobre atualizações dos casos. Até a publicação desta matéria, não houve retorno. A Secretaria, não destacou, anteriormente, se a Polícia Civil investiga possível relação entre os crimes. Aguardamos um posicionamento.

Para fazer denúncias

A população pode contribuir com as investigações repassando informações que auxiliem os trabalhos policiais. As denúncias podem ser feitas pelo número 181, o Disque-Denúncia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), para o (85) 3257-4807, do DHPP, ou ainda para o número (85) 99111-7498, que é o WhatsApp do Departamento, por onde podem ser feitas denúncias via mensagem. O sigilo e o anonimato são garantidos.

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