Roberto Muniz Dias: Bug Chaser

HIV e a homossexualidade ainda são um tabu. Então, o que dizer de uma pessoa que pretende se infectar pelo vírus? Este tema complexo compõe espetáculo analisado por Roberto Muniz Dias

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Imagem: Divulgação
Por Roberto Muniz Dias, colunista Mídia Queer

Não existe mais escapatória para Marc. Ele é o experimento de sua própria existência. O rato de laboratório sentado no divã começa a falar de quando era criança. A sala que o envolve é branca, sanitizada, com cheiro de água sanitária. Tem uma marcação fluorescente no canto esquerdo superior. Uma marca que incomoda; um carimbo, uma espécie de triângulo rosa pós-moderno. Uma voz de uma inteligência artificial anuncia a quarentena controlada pelo Estado. Mas o perigo não é causado pela doença em si, e sim pelo seu hospedeiro. Marc é um Bug chaser; e presenteia com indignação. É um caçador de perigo. Perigo que vem se acompanhando de uma sinfonia trágica que sempre se anuncia para uma criança viada. Mas a homossexualidade pode ser uma construção autodestrutiva: homofobia internalizada. Vamos guardando numa memória bem afetiva essas passagens da vida de Marc. O HD vai se enchendo de marcas doloridas.  Aí, o jovem Marc encontra o amor. Ah, o amor. O amor é bom, não é? Ele nos salva da dor da solidão, da carência, da ausência da família. Marc pensava assim. Ah, o amor. O amor repara tudo; o amor espera tudo; o amor compreende tudo, não é? As dúvidas seguem Marc como qualquer outro jovem. Mas ele é do período da praga gay. O amor se torna algo perigoso; mortal. Novamente, a morte vem seguindo o caminho de Marc. A vida adulta vem numa confusão com sua autoimagem. Ela só combina com morte. Coloca na cabeça que precisa de um coração novo. Será que podemos fazer isso? Seria a solução para o absurdo que o acompanhava?

A terapia não dá certo. Marc quer o perigo sem capa. Sua existência se estabelece numa compaixão inicial pelo grande amor de sua vida, Jonh. Ele quer se carimbar com a mesma mensagem no seu peito. Marc é suicida? Ou Marc está além da compaixão humana? Marc precisa de um coração de purpurina.

O ator Ricardo Corrêa em cena. Foto: Divulgação

O animal em cativeiro vai relatando suas memórias à inteligência artificial que é ávida de curiosidade. Precisa alimentar sua base de dados. Marc está pronto para relatar sua doença. Esta doença é contagiosa e precisa de controle. Como num aquário, zoológico ou laboratório este homem está sendo exposto neste experimento. O filme da vida de Marc passa em frente da gente. Até então eu não tinha dito que isso é a trama da peça Bug Chaser, não é? Pois bem, poderia ser a narrativa de muitos LGBTS que não encontram segurança em si mesmo(a)s, porque nunca aprenderam a ser um projeto de suas próprias vidas. E aí resta a ele(a)s uma busca desesperada pelo alívio. Seja ele qual for.

A peça Bug Chaser foi apresentada pela primeira vez em 2017, pela companhia de teatro Artera e tem na atuação de Ricardo Corrêa uma potência lancinante. Um solo que passeia pela dor e delícia de saber que viver é correr um grande risco. Entramos na vida de Marc como quem invade feito sangue em veias que levam ao coração. Tudo leva ao coração, não é? Marc é culpado ou inocente, hein? Vocês querem descobrir?

A peça está disponível agora online para aqueles que podem ajudar contribuindo para a continuação dos trabalhos da Cia Artera.

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Por um valor simbólico você assiste a esse espetáculo na íntegra e ajuda a companhia Artera de teatro. Mais informações, só enviar um direct para as redes sociais da Cia Artera.

Sinopse:

O monólogo discute a relação entre o risco e o prazer contidos nas práticas de barebacking (sexo sem preservativo) e de bugchasing (quando alguém saudável procura ter relações sexuais com uma pessoa com HIV positivo para ser infectado). Na trama, o ator Ricardo Corrêa é um homem em uma quarentena que está sendo analisado por uma voz, um programa de inteligência artificial.

Saiba como:

https://www.facebook.com/ricardo.correa.927

@ciaarteradeteatro

@ricardocorrrea

www.ciaarteradeteatro.com.br

Roberto Muniz Dias é professor, romancista, dramaturgo, mestre em Literatura pela UNB (Universidade de Brasília) e doutorando em literatura pela UFPI. Formado em Letras Português/Inglês e Direito pela UESPI (Universidade Estadual do Piauí). Foi premiado em 2009, pela Fundação Monsenhor Chaves com menção honrosa pela obra “Adeus Aleto”. Foi premiado pela FCP (Fundação cultural do Pará) com o texto teatral As divinas mãos de Adam, como melhor texto teatral de 2015, e o Troféu em Cena 2018 pelo texto teatral A bacia de Proust. Ainda recebeu os prêmios 16º Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade de 2016; 3º Prêmio educando para o respeito à diversidade sexual e Prêmio beijo livre direitos humanos 2017, todos na área de Educação. Recentemente, foi premiado com o troféu Os melhores do teatro Piauiense(2019) pela peça Dorothy.

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