Quem está comigo no grupo dos viadinhos?

Todas as vezes que comportamentos tóxicos são enaltecidos e associados ao que é ser homem, eu sinto que ser bixa não diz respeito apenas a uma questão sexual e de gênero, mas de sobrevivência!

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O jornalista Gustavo Freitas, em Coimbra, Portugal. Foto: Arquivo Pessoal
Por Gustavo Freitas

Curiosamente, nos últimos dias na minha bolha os dois assuntos mais partilhados e comentados tinham como pano de fundo o debate sobre “SER HOMEM”. Importante esclarecer desde já que, para mim, não existe mais essa coisa de “masculinidade frágil”. Isso foi um termo romântico e temporário para o que hoje conhecemos como masculinidade tóxica. E gosto do “tóxico” pois sabemos bem que não há hidroxicloroquina no mundo que nos livre de certas intoxicações. Especialmente as que acometem nossas subjetividades.

Pois bem. O primeiro assunto foi o vídeo de um coach. O registro era de um evento do ano passado que sabe-se lá, Iansã, por qual motivo voltou a circular. Talvez seja obra de alguma gay caçadora de memes que poderia ser eu mesma. Mas, desta vez, não. O fulano em questão – cujo nome não darei, pois já sei como deixar o algoritmo e os egos bem frustrados – convidava um homem jovem e branco a subir numa cadeira, olhar para todos os homens que ali estavam e dar um grito que seria respondido pelos demais. Quase uma live action de O Rei Leão. Ninguém melhor que as mulheres que lá estavam a esconder a cara para representar a minha vergonha alheia.

Mas explico melhor. Afinal, sou jornalista e de mim se espera uma camada a mais de responsabilidade informativa. De antemão, se a coach fosse Inês Brasil, o vídeo se chamaria O Grito da Panterona. Mas não é, logo o nome é mais cafona. Chama-se “Energia Masculina – Como acessar sua masculinidade”. Eu defendo o senso crítico e autonomia do meu leitor, mas, por favor, acreditem em mim e não vão lá dar visualizações. Já chega de palco para quem quer reforçar padrões que nos violentam.

A questão em si é que o famoso coach – famoso mesmo pois já acumula quase 4 milhões de seguidores no Instagram mesmo sem um engajamento compatível com o número – não tem formação em psicologia, segundo seu LinkedIn, mas em Administração de Vendas e Marketing, com especialização de cerca de um ano em “comportamento humano” por um instituto gringo de formação de coaches. Mesmo assim, no vídeo, tenta fazer com que um de seus espectadores supere um trauma carregado desde a infância.

Jean-Claude Van Damme – Uma representação da masculinidade na cultura. Foto: Reprodução

O rapaz em questão fala sobre medos de atitudes violentas de outros homens desde a escola. Uma clara narrativa sobre bullying. Ao que o coach o incentiva a mostrar o bicho que tem dentro de si: primeiro com um gesto de fomento à violência. Segundo com o tal grito.

Eu também não sou um psicólogo e talvez isso coloque o coach e a eu no mesmo patamar nesta questão. Mas tenho especialização em Direitos Humanos e experiência com Educação enquanto jornalista e com certeza conduziria o caso de uma outra forma. Precisamos problematizar a agressividade esperada dos homens. Não fomentar atitudes agressivas em quem sofre com a violência, que são os padrões de masculinidade tóxica para nós desde os nossos primeiros anos de vida. Eu era a pessoa que apanhava dos coleguinhas. E a atitude da minha mãe sempre foi a de me avaliar enquanto uma pessoa covarde e isso só prejudicava ainda mais a minha saúde mental. Só aumentava a pressão e o desconforto no ambiente escolar e na rua. A vítima nem é culpada e nem pode ser motivada a se tornar uma agressora. Chegando aqui, releia a última frase. Só para fixar.

A gente ouve a balela de que somos diferentes dos outros animais desde sempre. Mas ao invés de evoluirmos em nossos debates, alguns de nós usam-se da ampla plataforma para incentivar que resolvamos nossa insatisfação com os padrões violentos da masculinidade. Ou seja, pulando em cima dos outros igual aqueles cachorros que estão na calçada a espera que passe uma moto para correr por dez metros mostrando os dentes. Not today satan!

Deixando um pouco qualquer brincadeira e ironia de lado, me frustra bastante que plataformas tão grandes não sejam usadas para discutir temas realmente importantes. Como a responsabilidade masculina. Poderia até sugerir uma pauta: aborto masculino, responsabilidade afetiva e carga mental colocada sobre as mulheres nos relacionamentos e arranjos familiares. Que tal? Estamos muito preocupados em fazer de nossos discípulos uns machistinhas. Quando, na verdade, o problema está em quem educa e reforça as estruturas.

Mas não era somente sobre isso que havia prometido falar. Teve mais. As pérolas sempre vêm em colar. Relatos de bastidor deram conta de que Bolsonaro constrangia pessoas que usavam máscara em sua presença. Alegando que aquilo era “coisa de viado”. Eu ainda não consegui rir disso pois lembrei que, em 2019, a Promundo desenvolveu uma pesquisa para calcular os prejuízos financeiros de comportamentos retroalimentados por essa engrenagem que enaltece a masculinidade tóxica como algo positivo.

Eu gosto muito dessa pesquisa pois ela fala de cifras. E no capitalismo o idioma é esse. No levantamento feito em três países (Estados Unidas da América, Reino Unido e México), estimou-se que foram gastos naquele ano cerca de 20 bilhões de dólares estadunidenses com respostas a acidentes de transito, suicídio, bullying e violência, depressão, violência sexual e compulsão alcoólica. Sendo todos estes comportamentos associados à masculinidade tóxica, ou seja, resultados de uma educação que exige dos meninos a agressividade defendida por certos mentores, por exemplo. Voltando à pauta anterior, lembro de ter visto um vídeo do sujeito em questão em que ele fala que o homem deve ser agressivo. E eu não consegui até o presente momento encaixar o termo agressividade em nenhum contexto positivo. Inclusive, todas as vezes em que homens ao meu redor foram agressivos, isso só me gerou traumas com os quais ainda hoje preciso lidar.

Voltando ao uso da máscara, estudos realizados pela Middlesex University, no Reino Unido, e pelo Mathemathical Science Research Institute, nos Estados Unidos sobre esta questão afirmam que só 30% dos homens entrevistados fazem uso frequente do item de proteção. O dado para as mulheres é 50% maior (45%). E o motivo mais apontado pelos homens foi “vergonha” ou “sinal de fraqueza”. A única coisa da qual eu teria vergonha era de colocar a integridade de alguém em risco. Mas se o homem é o chefe da família e a figura mais importante numa sociedade patriarcal, obviamente que não há ninguém mais importante que ele. E a agressividade dele o protege de qualquer gripezinha. Qualquer coisa, basta um grito para afastar o coronavírus ou o que quer que seja.

Sobre ambos os casos, eu sigo confortável em não me encaixar em nenhum desses dois padrões de masculinidade. Eu quero é paz e sossego e uma vida mais segura e de mais qualidade para a próxima geração. O negacionismo da ciência e a desinformação no bolsonarismo não são mais que a lógica machista de que a verdade é a palavra do homem.

Para terminar, se me permitem um conselho: usem máscara e sejam bem viadinhos. E saibam que, quem diz isso é uma pessoa consciente de que viado não é ofensa.

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