O que é voto identitário e por que você deve se importar com isso?

A política brasileira é ocupada por representantes das elites e não por negros e negras, mulheres, LGBTI+, indígenas e trabalhadores, que formam, de fato, o nosso povo e que têm os interesses negligenciados por uma aristocracia que se instalou no poder

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Foto: Reprodução
Por Rafael Mesquita

O voto identitário nada mais é que votar de acordo com os próprios interesses ou necessidades imediatas do segmento populacional ou comunidade que integra. É votar de acordo com as próprias demandas, levando em consideração as condições práticas de vida e de inserção social.

Porém, no Brasil, a população não tem levado em consideração essas características na hora de escolher em quem votar.

Em nosso país, 54% da povo é negro, mas em termos de representação política, pretos e pardos estão em apenas 4% dos postos do Congresso Nacional, conforme resultado das eleições de 2018.

As mulheres compõem 51,5% da fatia populacional, contudo ocupam apenas 10,7% dos cargos no parlamento Federal (somando Câmara e Senado), de acordo com dados do Banco Mundial. Assim, no ranking de representação política feminina, o Brasil aparece na 157ª posição no mundo, de um total de 187 países analisados. O apagamento segue nos postos de comando da política. No biênio 2019-2020, dos 11 cargos da Mesa do Senado, por exemplo, apenas um é ocupado por uma mulher, a senadora Leila Barros (PSB-DF), como suplente.

No ranking de representação política feminina, o Brasil aparece na 157ª posição no mundo

O Brasil também é um país de trabalhadores, onde as Classes C (renda média de 1 a 3 salários), D e E (as duas classes mais pobres, com renda familiar até 1 salário) correspondem a quase 80% da população, sem contar os miseráreis, os 50 milhões que estão na extrema pobreza. No entanto, os efetivos representantes dos trabalhadores no parlamento nacional não passam de 11%. Quase metade da atual Câmara Federal tem parlamentares com patrimônio superior a R$ 1 milhão.

E se olharmos para outros grupos sociais ainda mais invisibilizados na política, teremos a população LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais), estimada em 20 milhões de pessoas, mas com somente oito eleitos nos planos estadual e federal em 2018. O ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), em 2014, foi o primeiro declaradamente gay a ocupar cargo público desta natureza, rompendo o que sempre foi sinônimo de uma falta.

Apenas oito LGBTs foram eleitos nos planos estadual e federal em 2018

Já os indígenas, estimados em 900 mil no Brasil, estão numa situação ainda pior. Somente em 2018 voltaram a ter representante no parlamento. Joênia Batista de Carvalho (Rede-RR), conhecida como Joênia Wapichana, foi eleita a primeira deputada federal indígena do País. Desde que o cacique xavante Mário Juruna deixou o Congresso Nacional, em 1987, um índio não era eleito deputado federal.

Por que essa diversidade não se reflete na representação política?

A composição monolítica do poder pode ser resumida na figura de um homem, branco e com 49 anos – idade média dos 513 eleitos na legislatura atual. É um retrato da elite econômica nacional, mas está longe de refletir a diversidade brasileira.

Portanto, o machismo, o racismo, a LGBTIfobia e o preconceito de classe sustentam e são sustentados pelas desigualdades criadas e reificadas ao longo da história.

Para a aristocracia que comanda com mãos de ferro o poder público e se sustenta também através de estratégias simbólicas, como a midiática, o Sistema Político precisa continuar inacessível para as camadas populares e grupos identitários.

Na essência, os conservadores trabalham para conservar as coisas como estão. Isso significa um espaço menor para defesa de temas ligados aos direitos humanos, criminalização da homofobia, ações afirmativas e combate à desigualdade de renda. Noutra via, mantem-se a bolsa empresário, o perdão de dívidas trabalhistas, a expropriação das riquezas naturais pelo agronegócio, genocídio negro e reprodução da miséria.

Exceção à regra, Abdias Nascimento foi o primeiro deputado negro do país, segundo o PDT. Ele assumiu o cargo em 1983, eleito pelo Rio de Janeiro.

O fato é que os trabalhadores não se espelharam na imagem dos trabalhadores. Os negros não se espelham nas imagens dos negros e assim por diante. As massas identitárias votavam nos outros candidatos, em parte por não reconhecer nos semelhantes a sua representação, mas também porque a política ainda reside na base da troca do voto por certos benefícios imediatos e amorais, seja a cesta básica, o emprego temporário ou a dentadura. Muitas vezes, os representantes populares não alcançam grande parte do público, pois não dispõem de máquina partidária forte ou de recursos, já que o sistema político brasileiro ainda é baseado no poderio econômico das campanhas.

O que precisa ficar claro entre mulheres, negros, LGBTI+, trabalhadores, jovens e outros, organizados ou não, é que a política identitária existe para os grupos dominantes, que se mantém unidos e se renovam no poder. Não fazer política cristaliza a opressão e oportuniza a retirada de direitos conquistas, como os previdenciários e trabalhistas, ou a impossibilidade de alcance de grandes demandas.

O que precisa ficar claro entre mulheres, negros, LGBTI+, trabalhadores, jovens e outros, organizados ou não, é que a política identitária existe para os grupos dominantes

Marielle semente

Nas eleições de 2018, após uma avalanche de golpes contra conquistas sociais e trabalhistas, tivemos um pouquinho de avanço sobre o voto, muito contextualizado pelas revoltas causadas pela pauta fascista de parte dos candidatos e pela morte da vereadora Marielle Franco (PSOLRJ).

Mulher, negra, bissexual, de esquerda e defensora dos Direitos Humanos, Marielle foi executada em março de 2018, em um esquema criminoso que guarda ligações até com a família do atual presidente, Jair Bolsonaro.

O crime, ainda não solucionado, é mais uma mancha cruel e comprova que estamos longe de alcançar a representação popular no sistema político, pois esta pode ser até exterminada, como fazem os aristocratas genocidas desde o período colonial.

A morte de Marielle Franco, conhecida por defender direitos das mulheres e inclusão social, gerou uma série de protestos (Picturs Alliance/dpa/Agencia Brazil/M.Camargo)

Mas a parlamentar é vista também como uma semente. Várias Marielles começaram a brotar, sendo eleitas em mandatos coletivos, mandatos negros, LGBTI+, jovens e feministas. Exemplo disso é que três ex-assessoras de Marielle foram colocadas pelo voto na Assembleia do Rio de Janeiro em 2018: Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco.

Nas eleições de 2020, o desafio é avançar ainda mais na ascensão de perfis que historicamente estão mais à margem da política institucional. A pandemia, a crise econômica e o avanço do fascismo mostram que é preciso uma reação forte ao status quo. É preciso implodir a colonialidade que governo o Brasil e os brasileiros.

 

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