Mães pela Diversidade: “A pele que habito”

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Cena do intenso filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar “A pele que habito” (2011). Foto: Reprodução
Por Mães pela Diversidade, colunistas Mídia Queer

Almodôvar narra em um de seus filmes de maior impacto, a história de um cirurgião que sequestra um homem e, por meio de sucessivas cirurgias, o transforma, tornando-o fisicamente em uma mulher. De um lado, o desejo do cirurgião, e do outro, a impossibilidade de reação, a falta de alternativa do cirurgiado. O filme permite um comparativo com o processo comum que a sociedade vive no trato das questões de gênero e sexualidade. Trata-se de uma história na qual as motivações são diversas, mesmo inconscientes, com expectativas geradas de cunho social, político e histórico. De um lado, a opressão que determina a postura do ser submisso. Do outro lado, a subserviência por total impossibilidade de fazer valer suas vontades. Não resta alternativa, senão a de assumir a performance do gênero imposto. Inicialmente prisioneiro por sequestro, torna-se prisioneiro do próprio corpo. Sua identidade é pulverizada no conflito entre corpo, genética, alma e meio social. No fim da história, a redenção conseguida à custas da insubordinação, mas não sem o risco e o medo de partir para uma vida sem possibilidades de reconhecimento de sua condição “anormal”.

Na gravidez, tem-se um processo parecido com o apresentado por Almodôvar, gerado a partir da grande expectativa de definição do sexo biológico do ser. Com a confirmação do sexo, é montado o cenário, ambiente propício para o afloramento de sua personalidade, masculina ou feminina. Assim, são definidas as cores, os objetos e os brinquedos. É todo o preparativo “pré-cirúrgico”. Com o nascimento, a pele habitada de modo imposto, toma a frente no processo de formação do Ser, sendo esta a primeira cirurgia a qual somos submetidos, para implantação involuntária de um gênero. Assim, temos os primeiros passos aprisionado em um corpo do qual esperam respostas que talvez correspondam perfeitamente aos seus anseios. Porém, existe a possibilidade de isso não acontecer.

Com efeito, nos falta a compreensão de que a heterossexualidade, a homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade e todas as variações passíveis de enquadramento, são nomenclaturas com carga histórica e cultural de desejos, de interesses e de afetividade, e que essa diversidade pode ser mutável. Tais enquadramentos, classificações, categorias, conceitos, nos bitolam no modo de pensar, sentir, dizer e fazer. Daí a necessidade de desconstruir.

Assim, quando a questão da transexualidade é pensada, é necessário e emergente ser percebido que falar sobre gênero não significa falar masculino ou feminino ou intersexual, nem sobre hétero, bi ou homossexual. Pensar sobre gênero é pensar sobre as relações culturais, sobre os desejos. Na desconstrução necessária, deve-se perceber que não existe determinismo sobre o comportamento do homem e da mulher, e que as regras impostas, como se fossem condições inatas biológicas, existem por força de ideologias rasas. Gênero e sexualidade são dinâmicos e se constroem ao longo do tempo e não impostos, como é feito pela sociedade.

Mães pela Diversidade do Ceará: Agrupamento local do coletivo que tem como pilares a independência, laicidade e o suprapartidarismo. Nasceu em São Paulo, em 2014, fruto de um encontro espontâneo de mães e pais de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais de todo o Brasil, preocupados com o avanço do fundamentalismo religioso, a insegurança jurídica, o preconceito e a violência contra a população LGBTQI+.

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