Governo Bolsonaro tenta restringir criminalização da LGBTfobia

Para movimento LGBTI+, derrubar as conquistas que foram asseguradas na decisão do STF é um golpe

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Bolsonaro e o advogado-geral da União, José Levi Melo do Amaral. Foto: Reprodução da Internet

A Advocacia-Geral da União (AGU) do Governo Bolsonaro apresentou, nesta quarta-feira (14/10), embargos de declaração contra a decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou a LGBTfobia equivalente ao crime de racismo. O recurso foi apresentado no dia seguinte à aposentadoria do ministro Celso de Mello, relator de uma das duas ações julgadas no caso.

O autor da medida é o advogado-geral da União, José Levi Melo do Amaral. Para ele, é preciso que o Supremo incorpore excludentes de ilicitude à decisão. Com isso, atitudes LGBTfóbicas como o impedimento de ingresso em determinados espaços públicos e exclusão de pessoas da comunidade LGBTQI+ de igrejas seriam ressalvadas de punição.

No entanto, pela decisão de 2019, ficou garantia da liberdade religiosa em falas que tratem de pessoas LGBTQI+, desde que as manifestações não impliquem em discurso de ódio.

Para a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), a Advocacia Geral quer dar golpe na decisão que criminalizou os crimes de ódio contra pessoas LGBTI+. “Liberdade de expressão não deve ser usada como desculpa para propagar discurso de ódio. Ninguém tem liberdade para ferir a dignidade de outra pessoa, sobretudo por sua orientação sexual, identidade de gênero ou raça. O discurso assassino de Bolsonaro mais uma vez naturaliza violências contra a população LGBTI+. A criminalização da LGBTIfobia é conquista nossa e não vamos deitar”, destaca a entidade.

Recurso de Bolsonaro institucionalizaria a LGBTfobia

Ao pedir a autorização de impedimento de acesso a espaços públicos e permissão para exclusão de espaços religiosos “controlados a partir do critério fisio-biológico de gênero, com o objetivo de resguardar a intimidade de frequentadores considerados vulneráveis”, como, por exemplo, banheiros, vestiários, vagões de transporte público e até estabelecimentos de cumprimento de pena, o recurso da AGU institucionalizaria a homofobia.

De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) a medida de Bolsonaro “defende a hegemonia de grupos dominantes para falar sobre sexualidade padrão, valores morais e liberdade de expressão”. Seria a “liberdade para discriminar pessoas” na avaliação da organização.

O fator Celso de Melo

O ministro Celso de Mello em uma das sessões que apreciaram a criminalização da demanda. Foto: Nelson Jr./STF

Quando do julgamento, o ministro Celso de Mello dedicou parte do voto a desconstruir o argumento de que o reconhecimento da LGBTfobia seria uma possível afronta à liberdade religiosa. O ministro discorreu sobre a separação da Igreja e do Estado como pressuposto fundamental da República. “O Estado não tem interesses de ordem confessional e a ele é indiferente o conteúdo de instituições religiosas. Estão fora do alcance do poder do Estado”, disse.

Discursos de ódio, ele ressaltou, não estão protegidos pelo direito à liberdade de expressão. “A incitação ao ódio público, contra qualquer público ou pessoa, não está protegida pela cláusula constitucional que garante a liberdade de expressão”, ressalvou.

Neste caso, há hipóteses como excludentes de ilicitude. Sem prova do dolo, não se pune. Então, só a leitura de passagens bíblicas que apenas narram o que diz o livro religioso não é punida. Apenas incitações ao ódio deverão ser caracterizadas nos tipos penais do crime de racismo.

O julgamento

Em junho de 2019, depois de seis sessões dedicadas ao caso, o STF reconheceu a omissão do Congresso Nacional e enquadrou a LGBTfobia como crime equiparado ao racismo. Por 8 votos a 3, o colegiado equiparou as práticas de agressão e violência contra a população LGBT no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que tipifica os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. O dispositivo prevê pena de um a três anos de prisão para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

A conclusão do julgamento em conjunto a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, do PPS, e a Injunção (MI) 4733, da ABGLT — esta de relatoria do ministro Luiz Edson Fachin — ocorreu em 13 de junho. Considerado histórico, o julgamento teve início dia 13 de fevereiro de 2019, pouco depois do início do ano Judiciário e foi pautado por insistência do relator da ADO, ministro Celso de Mello.

O decano levava poucos casos ao plenário da Corte, com ritmo mais lento de análise de cada processo. Neste caso, a disputa começou pela inclusão na mesa do plenário. O ministro manteve posição firme na defesa de minorias em direitos e do papel contramajoritário da Corte.

Em novembro, pouco depois da vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais, Celso de Mello pediu ao presidente Dias Toffoli que incluísse as ações na pauta. Entidades evangélicas mais tarde pediram, ao contrário, a retirada do tema, que chegou a ter a análise marcada para dezembro, mas foi adiada justamente para evitar que a medida fosse entendida como uma provocação ao governo recém-eleito.

Celso de Mello leu os 19 tópicos do voto por duas sessões, tendo incluído um apanhado histórico, estatísticas, teorias feministas, jurisprudência e tratados internacionais — tornando a escolha por abrir uma divergência difícil, pelo peso argumentativo que se teria de dar.

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