Dediane Souza: “Sem afeto e fechação, não é nossa revolução”

Em sua primeira coluna para o jornal Mídia Queer, a jornalista Dediane Souza fala sobre a importância da materialização de uma rede de afeto e, por conseguinte, de fortalecimento do movimento LGBTI+ que aposte no potencial revolucionário desta população

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Parada LGBT de Fortaleza de 2017. Foto: Marcos Adegas/Fetamce
Por Dediane Souza, colunista Mídia Queer

Quero conversar com vocês sobre a resistência empreendida pelo grupo social formado por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, ainda marcado pelo estigma, pela discriminação e pela dificuldade de acesso à cidadania no Brasil.

Quero pensar junto com você, caro/a leitor/a: quais são as estratégias possíveis de organização, em comunidade, face ao cenário de fragmentação das lutas coletivas e à sensação de isolamento social dos sujeitos? Ainda faz sentido apostarmos na construção de relações de afeto e solidariedade, sem romantizações e sem responsabilizar individualmente nossos pares pelo suporte que precisamos?

Em primeiro lugar, penso que é necessário compreendermos as múltiplas formas como a LGBTfobia, como sistema estrutural de dominação, produz a violência e a vulnerabilidade social no cotidiano da população LGBT.

Para pensarmos a relação entre luta, afeto e cotidiano: em sua maioria, as pessoas identificadas como autoras das violações de direitos denunciadas possuíam uma relação pessoal ou comunitária com a vítima. E no campo das relações cotidianas, estas se manifestam na forma de violência direta, fragilizando o senso de pertencimento aos núcleos básicos de sociabilidade humana.

Como se vê, a negação histórica da cidadania LGBT pelo Estado brasileiro é também acompanhada por outro tipo de negação: aquela que diz respeito aos laços de afeto e que acaba por fragilizar o direito ao convívio, em razão do estigma social. Nesse lócus de batalha, o que nos resta senão o redesenho das estratégias políticas e a construção de outras redes de solidariedade e afeto?

Olhando para o Brasil de hoje, para o assustador avanço da agenda de extrema direita e para a legitimação cultural da violência contra grupos historicamente discriminados, seria anacrônico investirmos politicamente em mecanismo semelhantes de encontro com o outro e com a cidade, a partir das identidades LGBT?

No bairro Benfica, em Fortaleza, a Rua Instituto do Ceará, anterior ao isolamento social por conta da pandemia do COVID 19, era ocupada por uma juventude que rompe, ainda que localizadamente, com a paisagem normativa da cidade, com seus cortes de cabelo assimétricos e expressões múltiplas de gênero. Por onde andam esses corpos no resto do dia? Onde mais podem se encontrar e se reconhecerem nos outros corpos livres? O que une esses/as jovens senão a necessidade de se afetarem, de fazerem parte de algo a partir do que são?

Por muito tempo, os espaços de socialibilidade LGBT foram vistos apenas como “guetos” de exclusão, mas, embora sejam resultado direto da LGBTfobia, são também espaços de acolhimento, de construção de relações de afinidade, solidariedade e organização de redes. Não se trata, aqui, de um coro à ideia homogeneizante de comunidade, mas de entendermos que as mudanças políticas necessárias para este tempo demandarão olharmos de um modo diferente para o principal propulsor das lutas pelo fim do preconceito e da discriminação, a saber, as pessoas e suas aspirações por felicidade.

Dediane Souza: Jornalista, travesti, feminista, diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará, ativista das pautas de direitos humanos e filiada à Rede Trans Brasil. Atualmente é Coordenadora da Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social – SDHDS de Fortaleza.

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