Assassinato de pessoas trans cresce 75% em dez anos sem políticas públicas eficazes de proteção

Levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais considera perfil das vítimas assassinadas em 2020; problemas institucionais são apontados como um dos principais gargalos para solução da violência

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A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) lançou nesta sexta-feira (29), Dia Nacional da Visibilidade Trans, o dossiê “Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020”. O documento aponta que 175 mulheres trans foram assassinadas no Brasil em 2020.

O índice do ano passado está 43,5% acima da média de assassinatos em números absolutos desde 2008, quando o monitoramento da entidade foi iniciado. Houve um aumento de 201% dos crimes nesse período. Já quando observada a década, registra-se uma variação de 75%.

A extensa análise cataloga os efeitos sempre nocivos da transfobia e chama a atenção para a escalada de crimes contra pessoas trans. “O que fica nítido é o quanto a omissão e o descaso do Estado no cuidado com a população trans, ao não se debruçar sobre os processos de vulnerabilidade e precarização da nossa população, têm nos deixado cada vez mais próximos desse cenário de violência. Esse afastamento do acesso a direitos e o não reconhecimento da nossa cidadania também”, pontua Bruna Benevides, secretária de articulação da Antra e uma das autoras do dossiê. “O Estado tem falhado na proteção das nossas vidas quando não conseguimos efetivar as denúncias ou quando são desqualificadas”.

Em 77% dos casos, os assassinos usaram requintes de crueldade, uma característica comum em crimes de ódio. O fato de serem todas mulheres no levantamento da Antra revela que o preconceito de gênero também aparece em casos de transfobia. Benevides reforça que o levantamento não afirma que todas as mortes são por transfobia ou por identidade de gênero, mas os elementos que compõem esse cenário de violência denunciam o quanto a transfobia é presente. “O principal indicador é esse perfil de humilhação, excesso de violência e crueldade nos crimes de ódio. A identidade de gênero aparece como o principal motivador, e precisamos fazer essa discussão. A intensidade, repetição e o cruzamento do método de violência é o que nos denuncia essa violência como crime de ódio”, ressalta.

Ceará é o segundo estado com mais mortes

Em números absolutos, São Paulo foi o estado que mais matou a população trans em 2020, com 29 assassinatos, contando com aumento de 38% dos casos em relação a 2019 – segundo aumento consecutivo, já que, em 2019, houve aumento de 50% em relação a 2018; seguido do Ceará; com 22 casos, que aumentou em 100% o número de assassinatos em relação a 2019.

São Paulo, Ceará, Bahia e Rio de Janeiro aparecem entre os cinco primeiros estados com mais assassinatos de pessoas trans desde 2017. Durante o ano de 2020, o Ceará chamou a atenção das mídias pelos recorrentes casos entre julho e agosto, somando nove assassinatos somente nesses dois meses.

Nordeste é a região mais letal

A maior concentração dos assassinatos em 2020 foi vista na Região Nordeste, que apresentou aumento de 6% com 75 assassinatos (43% dos casos). Em seguida, vemos a Região Sudeste, que aumentou 4%, com 59 (34%) casos; a Região Sul com 14 (8%) assassinatos; o Norte, com 13 (7%) casos; e Centro-Oeste, com 12 (7%) assassinatos. Em 2020, o Nordeste e Sudeste seguiram aumentando, como havia ocorrido em 2019. Desde 2017, ano que iniciamos essa pesquisa, o Nordeste segue como a região que mais assassina pessoas trans do país.

Ciclo de exclusão

A Antra aponta, ao longo dos últimos quatro anos em que essa pesquisa passou a ser realizada, que pode se identificar um ciclo de exclusões/violências que têm sido identificadas como as principais responsáveis pelo processo de precarização e vulnerabilização das pessoas trans. Esse ciclo leva as pessoas trans à marginalização e, consequentemente, à morte, seja por falta de acesso a direitos fundamentais, sociais e políticos, ou, ainda, pela omissão do Estado em garantir o bem-estar social dessa população.

Subnotificação

O dossiê ainda analisa o recorrente problema de subnotificação dos casos de violência LGBTfóbica. Não há hoje, no Brasil, um sistema de dados que consiga compilar e divulgar todas as violências sofridas com destaque para a identidade de gênero das pessoas, o que ajudaria a mapear as violências transfóbicas.

A Antra, portanto, denuncia que muitos assassinatos de pessoas trans se perdem nos registros de ocorrência ou em laudos que ignoram a identidade de gênero. De acordo com a entidade, “são os estados, as polícias e órgãos de segurança os responsáveis pela falta de dados e manutenção da subnotificação dos dados de assassinatos de pessoas trans no Brasil”.

Essa omissão institucional também é exposta, pela organização, no preconceito que pessoas trans ainda encontram no atendimento em órgãos públicos, o que dificulta a denúncia. Para a Antra, “ao se abster de mapear ou informar sobre o transfeminicídio, o Estado se exime da responsabilidade de pautar políticas de segurança para esta população”.

E o relatório continua: “Não acessar informações dos movimentos sociais a fim de gerar tais dados, tampouco se preocupar em levantá-los, é a maior demonstração de descaso com a nossa população”, citando a não obrigatoriedade do preenchimento da identidade de gênero em bancos de dados públicos, como o Disque 100.

Confira o dossiê da Antra na íntegra.

Com informações do Gênero e Número

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