Por Ian de Andrade Edição de Rafael Mesquita
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou ontem (18) maioria de votos favoráveis à continuação do andamento do inquérito que apura a difusão de informações fraudulentas e ameaças a ministros. Dez dos onze ministros votaram a favor da validade do inquérito. Apenas o ministro Marco Aurélio de Mello votou contrário à investigação.
A investigação retrocede à época das eleições presidenciais de 2018, e levanta a suspeita se a campanha de Jair Bolsonaro (sem partido) teria sido responsável por distribuir massivamente, por meio de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, uma série de “fake news”.
Entre as inúmeras “informações falsas” disseminadas, a mais forte e pioneira foi a do chamado “kit gay”. A mentira espalhada era de que o livro “Aparelho Sexual e Cia”, da Companhia das Letras, que contém ilustrações explícitas sobre sexo, teve distribuição em escolas públicas nos governos petistas de Lula e Dilma.
A campanha difamatória dizia que o material integraria o projeto “Escola sem Homofobia” (pensado no Governo Dilma e nunca implementado), o que é outra inverdade.
A narrativa novelesca concluía que, caso Fernando Haddad (PT) vencesse a eleição, o “kit gay” – com o livro e a famigerada “mamadeira de piroca” – seria distribuído nas escolas pelo Ministério da Educação (MEC). Uma grande lorota, mas que incendiou o debate público, a ponto de entrar no imaginário de muita gente, que, com uma dose de homofobia e outra de pura ignorância, acreditou na mentira bolsonarista e pautou o voto a partir desta questão.
Embora o próprio candidato tenha sido desmentido em pleno Jornal Nacional e, muito tardiamente, em outubro de 2018, o ministro Carlos Horbach, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tenha determinado a remoção de seis postagens no Facebook e no YouTube, em que Jair Bolsonaro repercutia a falsidade, o “fake” continuou correndo de forma criminosa nos grupos de WhatsApp. Tem gente que até hoje usa o caso para atacar a comunidade LGBTI+. O preconceito em torno do título “Kit gay” inclusive é uma discussão à parte.
O fato é que finalmente os responsáveis por todo esse processo podem ser finalmente processados com a investigação do STF. Entidades de defesa dos direitos, partidos políticos e organizações de classe, como as de professores, cobram desde 2018 a correta apuração dos ataques criminosos e fraudulentos feitos pela indústria da desinformação, montada desde a campanha de Bolsonaro e que, tudo leva a crer, conta com o financiamento de grandes empresas para espalhar o ódio contra sujeitos de expressões e identidades não normativas e outros grupos oprimidos, como mulheres e população negra.
Os avanços mais recentes
A apuração ganhou corpo em maio deste ano, quando Alexandre de Moraes, ministro do STF, deflagrou uma operação contra parlamentares, empresários e extremistas aliados do presidente Jair Bolsonaro, suspeitos de integrar uma sociedade criminosa que opera esta rede de disseminação de notícias falsas.
O inquérito diz que “as provas colhidas e os laudos periciais apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa”.
Além da possibilidade implicação do presidente, seus filhos Carlos e Eduardo, estão entre os suspeitos aliados de Bolsonaro. Alguns deles têm presença frequente no Palácio, como o blogueiro Allan Lopes dos Santos, do canal no YouTube “Terça Livre”.
Allan e mais 13 pessoas foram, inclusive, alvo de buscas e apreensões no inquérito que apura ataques contra os ministros do Supremo.
Na mesma ação, a extremista Sara Giromini, autodenominada como Sara Winter, foi presa pela Polícia Federal, após atentado contra o Supremo.
Sara, Allan e outros blogueiros são suspeitos de integrar um “complexo esquema de disseminação de notícias falsas por meio das redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo perigo de lesão à independência dos poderes e o estado de direito”, diz o processo.
No empresariado, os indícios apontam para Edgard Gomes Corona, Luciano Hang, Otavio Oscar Fakhoury, Reynaldo Bianchi Junior e Winston Rodrigues Lima.
Corona é dono da rede de academias Smart Fit e Hang é dono das lojas Havan. Este último, inclusive, já tinha sido condenado em primeira instância a indenizar o reitor da Unicamp por ter publicado uma informação falsa sobre ele.
No inquérito dos ataques ao STF, foi determinada a quebra dos sigilos bancários e fiscais de Luciano Hang e dos outros três investigados, desde a campanha eleitoral – de julho de 2018 a abril de 2020. Na fase atual da investigação, oito deputados ligados ao presidente serão ouvidos.
A grande pergunta que fica é: até que ponto TODOS os participantes serão responsabilizados? Mas isso são cenas (REAIS) dos próximos capítulos.