Por Igor Thawen, especial para o Mídia Queer
A comunidade LGBTI+ vem, nas últimas décadas, buscando e cada vez mais conquistando direitos e espaço na sociedade, seja através da representação política, da inserção econômica ou até por meio de novas formas de produzir conteúdo, como nas chamadas Lives Streams criadas nas plataformas de internet.
A dragqueen e gamer Samira Close, 26, faz lives diariamente no Facebook Gaming. Além de ser contratada da plataforma, Samira também é um ícone LGBTI+, por ser uma das primeiras pessoas a fazer live de jogos totalmente montada. Ela já conta com cerca de 650 mil seguidores na rede social e atinge números diários simultâneos de 10 mil espectadores.
O marco do seu alcance no Facebook aconteceu no último dia 30 de junho, quando, em parceria com outras páginas, atingiu mais de 27 mil pessoas simultaneamente. Atualmente, o programa gravado possui 1,2 milhões de visualizações, 68 mil comentários, oito mil compartilhamentos e 63 mil reações, sendo “amei” a mais usada.
Esse pontapé inicial dado por Samira fez com que novos streamers, como Rebeca Trans e Andy Ferreira, também entrassem na plataforma sem medo, trazendo a performatividade queer para dentro dos games.
Porém, mesmo com o crescente sucesso da comunidade LGBTI+ na rede, o Facebook insiste em excluir algumas transmissões por conterem palavras como “viado” e “bixa”, alertando que não atendem às diretrizes da empresa. As streamers vivem um dilema, pois não podem expressarem-se livremente na plataforma, já que no dia a dia destes sujeitos usar a gíria “viado”, por exemplo, não soa como pejorativo.
Viado é um dos termos incorporados às práticas discursivas, à luta e à resistência desta população, assim como as palavras inglesas gay e queer, antes também vocábulos ofensivos, mas que hoje designam popularmente representantes destas comunidades. Gamers tem afirmado que o contexto de uso das palavras é afirmativo, mas as regras, convertidas na programação dos algoritmos, tem limitado as possibilidades de livre expressão.
Facebook x Liberdade de Expressão
Gyselle Mendes, coordenadora executiva do Coletivo Intervozes, organização que luta pelo direito à comunicação, esclarece que a exclusão de conteúdos LGBTI+ do Facebook mostra como a moderação de conteúdos realizada pelas grandes plataformas digitais é falha e precisa ser regulada pelos Estados nacionais, visando proteger a liberdade de expressão dos seus usuários. “Além disso, não há transparência sobre suas práticas de moderação, sobre o funcionamento dos seus algoritmos, sobre a coleta dos dados pessoais”, alerta Gyselle.
A liberdade de expressão, citada pela representante do Intervozes, é garantida pela Constituição Federal do Brasil, de 1988. O dispositivo garante a livre manifestação do pensamento, ou seja, a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
Gyselle ressalta que o problema é tão grave que os relatores para a liberdade de expressão – também Direito Humano universal – da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA), Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) definiram o controle privado exercido por essas plataformas como um dos três grandes desafios da próxima década, em relação aos direitos de todos e todas.
Mídia Queer sofre censura no Instagram
Nós, do Mídia Queer, também sofremos com essa restrição. No dia 24 de junho, postamos o filtro que se chama “Orgulhe-se” em nosso perfil do Instagram, plataforma que pertence à empresa Facebook Inc. No filtro, que celebrava o orgulho LGBTI+, havia a logomarca do Mídia Queer, que foi recusada por conter, obviamente, o termo “bixa”. O conglomerado de mídia social deu o seguinte retorno automatizado: “O nome não segue as Diretrizes da comunidade do Instagram ou os Padrões da comunidade do Facebook ou não é adequado para pessoas com 13 anos ou mais. (Políticas 4.1, 4.2 e 4.3)”.
Palavras têm sentidos diversos
Entrando na questão da análise de discurso, o Mídia Queer conversou com o professor Nonato Lima, da Universidade Federal do Ceará, que estuda esta temática há quase duas décadas. Ele explica que as palavras vão ganhando e perdendo sentidos ao longo da história, no cotidiano e nas relações sociais e linguístico-discursivas. “As palavras adquirem sentidos a cada enunciação, a cada enunciado que se realiza na sociedade. É por isso que você vai ver pessoas compartilhando naturalmente e respeitosamente o termo ‘viado’ e também poderá ver pessoas usando o mesmo termo numa atitude regida pelo desrespeito, ironia, agressividade”, observa.
O fato é que a programação, que repele de forma mecânica conteúdos, precisaria analisar o contexto de emprego das palavras. Editor do Mídia Queer, o jornalista Rafael Mesquita avalia, no entendo, que “robôs não são capazes de analisarem discursos”, e diz que os sistemas de revisão de conteúdo do Facebook precisam ter atividade humana. “Esse problema de censura se repetiu no dia 14 de julho e não conseguimos contato com nenhuma pessoa que trabalhe no Facebook e que pudesse dialogar conosco sobre os usos diversos da palavra ‘bixa’”.
O fator humano deveria ser indispensável na gestão destas plataformas, pois, como explica Nonato Lima, “discursos são práticas sociais permeadas por valores, crenças, culturas, ideologias, sentidos em permanente processo de construção e reconstrução ao longo da história”.
Streamers se submetem
Sem conseguir vencer o embate discursivo e como forma de manterem-se nesses meios, as streamers LGBTI+ se submetem às regras restritivas e buscam até brincar com a situação: “O tio Mark Zuckerberg (dono da Facebook Inc) não gosta dessa palavra”, alerta Samira, buscando se moldar à plataforma para continuar a usar e monetizar o serviço de live de jogos.
Posição do Facebook
A nossa reportagem tentou contato com o Facebook, por meio do e-mail de contato com a imprensa, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos retorno da empresa.