Roberto Muniz Dias: A arte queer do fracasso

Em sua estreia no Mídia Queer, o professor, romancista e dramaturgo Roberto Muniz Dias resenha o livro "A arte queer do fracasso", de Jack Halberstam, que acaba de ser lançado em língua portuguesa

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Por Roberto Muniz Dias, colunista Mídia Queer
Capa do livro do teórico Jack Halberstam. Autor é publicado pela primeira vez no Brasil

Como um bom filósofo faz: mais dúvidas são trazidas do que respostas são dadas. “Bom” aqui é muito relativo, vez que muitos outros (maioria) querem ser o arauto de ideias inquestionáveis. Mas se estamos sempre procurando por exemplos positivos e de sucesso, quem levaria a sério a ideia de que categorias como fracasso, desmemoriamento e estupidez seriam categorias suficientes para análises sociais, políticas e até econômicas?

Bem, Jack Halberstam nos provoca ao teorizar sobre isso no seu livro de 2011. Porém a tradução em português saiu apenas agora: A arte Queer do fracasso (CEPE editora, 2020) e traz várias provocações. Mas talvez esta seja a intenção do autor do livro em questão, além de instaurar dúvidas sobre as formas de conhecimento, lançar luz (ou não) – esta dialética tão importante nos estudos pós-algumas coisas, especialmente os estudos culturais – sobre a questão do fracasso como uma análise de categoria que viabilizasse um discurso subalterno, uma baixa teoria, elevar a estupidez e o esquecimento (assuntos pontuais do livro) a outros níveis de compreender o patriarcado, as masculinidades e todos os atravessamentos de gênero, raça e sexualidade que filmes, desenhos animados, discursos querem de alguma forma transmitir ou incutir em nossas realidades.

Halberstam cria a expressão “baixa teoria”, sob o esteio das ideias de Stuart Hall para alocar uma gama de pensamentos situados nos baixos níveis, do inesperado, no improvisado e do surpreendente. O autor quer retirar a maestria e a hierarquia dos estudos dentro da academia e colocá-los nas mãos do mestre ignorante que “deve na verdade permitir que eles (estudantes, grifos meus) se percam. A fim de que vivenciem confusão e então encontrem o próprio caminho de saída, de volta ou o desvio” (HALBERSTAM, p. 37). Halberstam dialoga diretamente com A pedagogia do oprimido de Paulo Freire, um modo diferente de aprendizagem que atua numa dialética libertária; na desierarquização, na horizontalidade da relação professor-aluno. Enfim, uma construção baseada no diálogo e na troca de experiência.

Jack Halberstam é titular no Departamento de Inglês e diretor do Instituto de Pesquisa sobre Mulheres, Gênero e Sexualidade na Universidade de Columbia, Nova Iorque. Foto: Divulgação

Embora se possa pensar que o livro propõe uma postura niilista de enfrentar situações, as ideias contidas em Arte Queer do Fracasso são um verdadeiro manifesto. A proposta é deixar de pensar um pouco nesta postura sempre otimista e opressora de bem suceder, relegando ao fracassado o espiral nietzschiano da repetição e do desprezo. Neste sentido, o autor vai apontar diversas formas de entender este fracasso como um perder-se, esquecer-se, inadequar-se, não saber que podem propiciar “formas mais criativas, mais cooperativas” (HALBERSTAM, p. 2).

O autor de utiliza dos “silly archives” (arquivos bobos), besta, em bom Português. Para isto, vai usar em boa parte de sua argumentação, filmes e animações, principalmente da Pixar. Filmes como “Cara, cadê meu carro?”; animações como Toy Story, A fuga das galinhas, Coraline, Procurando Nemo entre outros.

De acordo com Halberstam, a estupidez é uma característica naturalmente essencializada e genderizada. Ao homem estúpido há um charme, um plus e às vezes quase imperceptível porque é típico do homem branco a maestria e a sabedoria. Por esta razão, a estupidez passa despercebida. Por seu turno, na mulher, a estupidez não é perdoada, indica falta de saber e justifica a ordem social estabelecida (HALBERSTAM, p. 87). Mas não é preciso ler um livro sobre o fracasso para perceber que o saber (poder) é dominado pelo homem, mesmo que a estupidez esteja disfarçada em discursos violentos, ideológicos e misóginos.

O livro A arte Queer do fracasso incita que façamos uma viagem sem mapas, desviando-nos dos modos disciplinadores, da ordem social construída pela visão heteronormativa, esquecendo-se dos moldes de construção do gênero, resistir aos saberes normativos, entre outros descaminhos.

Neste sentido, a falta de compromisso com a natureza prescritiva dos padrões de gênero, famílias coletivas, críticas ao modelo reprodutivo do capitalismo, uma antipolítica, uma teoria baixa ou um negativismo vão compondo esta articulada colcha de retalhos. Mas não devemos entender que o ser/saber queer é desorientado de uma forma essencialmente ou propositadamente errática. Este tipo de ser/saber é uma nova forma de existir dentro de uma sociedade capitalista, patriarcal e heteronormativa que estabelece fórmulas desse ser/saber.

Recomendo!

Roberto Muniz Dias é professor, romancista, dramaturgo, mestre em Literatura pela UNB (Universidade de Brasília) e doutorando em literatura pela UFPI. Formado em Letras Português/Inglês e Direito pela UESPI (Universidade Estadual do Piauí). Foi premiado em 2009, pela Fundação Monsenhor Chaves com menção honrosa pela obra “Adeus Aleto”. Foi premiado pela FCP (Fundação cultural do Pará) com o texto teatral As divinas mãos de Adam, como melhor texto teatral de 2015, e o Troféu em Cena 2018 pelo texto teatral A bacia de Proust. Ainda recebeu os prêmios 16º Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade de 2016; 3º Prêmio educando para o respeito à diversidade sexual e Prêmio beijo livre direitos humanos 2017, todos na área de Educação. Recentemente, foi premiado com o troféu Os melhores do teatro Piauiense(2019) pela peça Dorothy.

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