Pensamento de guerrilha. Sobreviver ao agora de morte

Nesta coluna, externamos a dor pelo assassinato de mais uma de nós e gritamos contra o segundo LGBTcídio a que ela foi submetida, seja por força da Norma, seja por força do Estado, seja por força da imprensa tradicional

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Imagem: “Do leito de Morte” (1893) – Edvard Munch
Por Jon Olyveyra, colunista Mídia Queer

Tinha escrito uma coluna toda em que a premissa era: “O que nos une”, nela, eu propunha uma reflexão sobre as alternativas que estão sendo, caoticamente apresentadas, de superação desse estado de coisas que estamos atravessando, esse não-lugar Brasil, em que a ideia de direito, amplo, cidadão e utópico, deixou de ser um horizonte possível, pelo menos nos próximos anos.

E então morre uma pessoa próxima, uma amiga, alguém de dividir bebedeiras, abraços e sorrisos. Morre, vítima de um mesmo contexto pandêmico, a transfobia, esta, anterior a também silenciosa, brutal e covarde Covid-19. Venho às pressas me sentar, colocar a cabeça no lugar depois de chorar sozinho uma tarde inteira, reorganizar as ideias, já que o meu assunto anterior já tinha ficado velho e mofado, a realidade impõe-se.

Após a notícia da morte, a repercussão nas mídias tradicionais: jornais impressos, blogs de conteúdo específico, veículos de televisão, tratam a vítima como “um corpo masculino”. Sinto-me violentado mais uma vez, nem mesmo o luto (coletivo) é capaz de impor uma ruptura empática na pessoa que escreveu aquilo, naquele cis-tema.

Esse é o ponto. Estamos em guerra, nossos algozes não têm rosto, eles são “A Norma”, a naturalidade com que tratavam da morte daquela amiga, aquela corpa FEMININA, tombada pelos inimigos sem rosto, é tão poderosa que não interfere na editorialização, não é capaz de modificar a língua.

É importante dizer que não se trata aqui apenas de disputar a narrativa e sim de cobrar a aliança, não é sobre dar oficinas, “sensibilizar o público”, escrever manuais de linguagem NEUTRA para tratar da transfobia. Nós queremos reescrever o jornal, redesenhar o mundo pela vivência trágica das tombadas.

Pergunto sem a ilusão de ser respondido, que aliados são estes, que a propósito da dor incalculável de enterrar uma das nossas, não são sequer capazes de dar um telefonema antes de publicar “o furo”. São os mesmos a nos pedir entrevistas em cima do trio da Parada pela Diversidade Sexual do Ceará, chamando no título da matéria de Parada Gay.

Precisamos cobrar da Secretaria de Segurança Pública celeridade na condução desta investigação, saber se eles possuem, pelo menos desta vez, todos os dados que precisam dispor.

Entrevistado num programa de televisão de alcance nacional, o governador Camilo Santana, questionado sobre os famigerados temas “identitários”, disse aos entrevistadores que tinha até uma coordenadoria LGBT vinculada ao seu gabinete, mentiu o governador (tsc), a coordenadoria fica lotada na secretaria mastodôntica, cujo o nome nem vou cansar você que está lendo isso. Deve ser isso que eles entendem por aliança.

Democracia, Liberdade, Direito, Justiça, Empatia, Povo, Futuro, Amanhã, não consigo compreender o sentido destas palavras, estão todas muito gastas pra mim, não sei…
Hoje eu quero apenas chorar, e no terceiro dia, me levantar, para reconstruir o mundo, pra mim e para as minhas, sempre por elas.

Jon Olyveyra: Cantor, Músico, produtor e ativista em Direitos Humanos e pela cidadania plena de pessoas LGBTI+, integrante do coletivo Flor no Asfalto da comunidade do Lagamar e do CENAPOP, instituição realizadora do For Rainbow (Festival de cinema e cultura da diversidade sexual e de gênero), atuando desde 2009 na educação popular para os direitos humanos e respeito à população LGBTI+. É também conselheiro municipal do CMPDLGBT (Conselho Municipal de Promoção dos Direitos da População LGBTI+). Há dez anos compõe e apresenta shows, a partir do repertório popular de canções que dialoguem com a vivência desta população.

2 COMENTÁRIOS

  1. Palavras fortes que precisam ser levadas e internalizadas por todos com urgência. Chega de dor pra se afirmar o óbvio.

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