Gean Gonçalves: Não foi dessa vez…

Comentando sobre a possibilidade frustrada de termos as primeiras candidaturas trans ao Executivo municipal, nosso colunista fala sobre a ideia de desmasculinizar e enviadescer todo o fazer político

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Da esquerda para a direita, Helena Vieira e a reverenda Alxya Salvador. Fotos: Divulgação
Por Gean Gonçalves, colunista Mídia Queer

As cidades de Fortaleza e de São Paulo perderam a oportunidade de ter uma prefeita e vice-prefeita, respectivamente, da comunidade travesti. Helena Vieira foi pré-candidata a Prefeitura de Fortaleza e a reverenda Alxya Salvador estava na chapa da deputada federal Samia Bonfim à Prefeitura da capital paulista, ambas eram pré-candidatas do PSOL. Nas conferências do partido, ocorridas no último fim de semana, outras pré-candidaturas foram contempladas para o pleito municipal, o que não significa que não sejam candidaturas pró-LGBTI+.

É válido lembrar que candidaturas de pessoas LGBTI+ ainda não são tão comuns, quando ocorrem são, principalmente, de homens gays aos cargos do Legislativo. Em 2018, foram 160 candidaturas ligadas à comunidade LGBT, foram eleitos 12 deputados federais, 17 deputados estaduais e o primeiro senador da República abertamente gay. Foi um gesto muito importante que essas candidaturas trouxessem ao nosso imaginário a possibilidade de ter pessoas trans como representantes do poder Executivo. Que tirem de, algum modo, uma norma que circunda os espaços de poder: de que não são espaços para nós.

Ter uma política mais LGBTI+ significa ter de fato decisões e acordos sobre a sociedade brasileira que sejam mais plurais em ideias, perspectivas e posições.

Após o fortalecimento de candidaturas que se opõem ao respeito e dignidade de pessoas LGBTI+ e que abertamente perseguem debates sobre gênero e promoção da diversidade sexual é ainda mais acalentador ver candidaturas que renovem nossa confiança na democracia representativa.

Em um contexto de pandemia de Covid-19, muitos ainda não perceberam a proximidade das eleições municipais de 2020. Elas vão ser logo, logo. No mês de novembro, com primeiro turno no dia 15 e segundo turno no dia 29, datas aprovadas após adiamento do pleito pelo Congresso Nacional.

Estima-se, a partir de levantamento da Aliança Nacional LGBTI+, que haverá ao menos 336 candidaturas de pessoas LGBTI+ para os cargos de prefeitas e prefeitos, vereadoras e vereadores. A representatividade, compreendida como presença, visibilidade nos espaços públicos e de poder, é fundamental para grupos alijados. Nosso voto é protesto. É importante votar em quem está em sintonia com nossas demandas de existência, de vida, de respeito e de dignidade. Todavia, é possível ter uma política com o viés LGBTI+ sem necessariamente depender de candidaturas de pessoas LGBTI+.

Com isso, convoco a ideia de desmasculinizar e enviadescer todo fazer político. Um passo ainda mais a frente e mais ousado do que ser a favor de pautas LGBTI+.

Esplanada dos Ministérios, em Brasília, recebe projeções com mensagens de apoio à população LGBT (Janeiro de 2019). Foto: Reprodução

Quero ver pessoas LGBTI+ em aparição em todo debate de interesse social e coletivo, seja nas propostas de saúde, educação, moradia, emprego e economia. Que a gente possa deixar de ser um tópico, um pedaço dos planos de governo, e estejamos contemplados nele como um todo.

Uma política bixa, queer, trans, periférica é aquela que refunda o imaginário sobre quem é o representante da política no Brasil.

Em uma perspectiva mais teórica, imaginar é representar em imagem, é nomear, dar existência, portanto, incluir no campo da linguagem, modo como os humanos mediam sua relação com o mundo e dão assim um status do que pode ser acrescentado e/ou transformado no mundo.

Uma política que vai além da representatividade, é aquela que é movida novamente pela representação, em que as pessoas não necessariamente se identifiquem com os eleitos e as eleitas, mas que atravessem sua existência e suas demandas no fazer político desse representante, que nossas perspectivas estejam na política para a implosão, para a reelaboração cultural e institucional do que é a política e de quem faz política no país.

Dito tudo isso, reafirmo que devemos continuar a votar nos nossos, mas é necessário movimentar o terreno para que cada brasileiro ou brasileira feche os olhos e imagine mais facilmente, com menos barreiras, uma travesti vereadora, prefeita, deputada, senadora e quiçá presidente da República.

Gean Gonçalves: Jornalista, professor e doutorando em Comunicação na USP. Foi repórter da imprensa LGBT – na revista Junior e no portal MixBrasil. Acredita em uma teoria bixa/queer para a comunicação social.

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