Gean Gonçalves: Jornalismo bixa e novas vozes

Estamos carentes de projetos jornalísticos voltados à população LGBT, Mídia Queer chega em boa hora e poderá suprir essa falta

1830

Por Gean Gonçalves, colunista Mídia Queer

No mês do orgulho LGBTI+, o jornalismo brasileiro ganha uma nova iniciativa desenvolvida por pessoas LGBTI+ para LGBTI+: o jornal digital Mídia Queer. Estávamos carentes de projetos jornalísticos voltados à população LGBT. Digo isso porque se arrefeceram, nessa década, as iniciativas jornalísticas LGBTI+. Tivemos o fim de revistas, como a G Magazine e a Junior, e portais noticiosos como o MixBrasil, histórico por ter sido o primeiro no segmento na América Latina.

No Brasil, o movimento LGBTI+ sempre esteve alinhado com iniciativas jornalísticas. A partir dos anos 1960, no início do debate público sobre a homossexualidade, começaram a surgir publicações abertamente gays. No geral, revistas mimeografadas, distribuídas de mão em mão.

É de 1978 o primeiro jornal bixa de circulação nacional – o Lampião da Esquina – e com ele se dá o nascimento do movimento LGBTI+ brasileiro. Essa história é prolongada com o Chana com Chana, Sui Generis, G Magazine, DOM, Junior. Se comparamos com o mercado editorial dos EUA, do Reino Unido e da França, temos pouquíssimos títulos ao longa da nossa história.

Lampião da Esquina foi fundado em 1978 e que circulou até 1981. Foto: Arquivo

Nossas formas de comunicação social, como meios alternativos, lidam com muita dificuldade de sobrevivência enquanto negócios. São comumente arranjos de poucos jornalistas, com base em trabalho voluntário, com baixo ou inexistente patrocínio. Os impressos lidam com os custos logísticos de circulação nacional e os meios online enfrentam os desafios da monetização do conteúdo versus o acesso livre e aberto. De todo modo, antes da onda da diversidade nas organizações, as marcas não desejavam de modo algum se associar com meios de imprensa LGBTI+, o resultado são experiências jornalísticas com pouco tempo de vida em virtude de questões financeiras.

Todavia, com a internet, terreno fértil de comunicação, o que poderia ter ampliado ainda mais as iniciativas jornalísticas não se demonstrou assim. Multiplicou-se sim o debate de gênero e sexualidade, principalmente, com a contribuição dos canais do Youtube e com a cultura dos influenciadores digitais, mas não o jornalismo profissional. E daí surge um problema, salvo algumas exceções, nossas narrativas foram reduzidas em opiniões, ao achismo, não estão recebendo o devido tratamento e cuidado ético, técnico e estético que o jornalismo se atém na construção do diálogo social.

Exemplo disso foi que, forçados pelo contexto de isolamento social, a Parada do Orgulho LGBTI+ de SP foi articulada online, com uma transmissão comandada por influenciadores digitais. Apesar da linguagem divertida e do espírito de manter o orgulho presente dado por essas pessoas, revelou-se uma dificuldade, cada vez mais presente, de trazer e equilibrar novas vozes, vozes anônimas e vozes históricas. O mês do orgulho também está sendo celebrado por lives no Instagram e se nota aí a questão do ativismo LGBTI+ estar cada vez mais restrito a um número pequeno de vozes oficiais, que parece reconhecer sempre as mesmas pessoas.

A cultura da comunicação feita com celebridades digitais e de vozes oficiais se faz presente. Artistas e agentes históricos do nosso movimento foram esquecidos, desprestigiados na live da Parada, algo que foi comentado por figuras como Silvetty Montillla e Kaká di Polly. No caso das vozes oficiais não temos olhado para outras pessoas, para outros contextos, para outras alteridades. Nota-se o domínio das mesmas vozes, comumente de homens gays brancos do sudeste brasileiro com inserção e prestígio, que sim, eles alcançaram, mas que os coloca sempre na posição de que são as pessoas que debatem as questões LGBTI+ no país.

É necessário a retomada de mais espaços jornalísticos como modo de equilibrar vozes, de resgatar a memória e de qualificar nossas narrativas. Louva-se aqui o Mídia Queer, como jornalismo nordestino, preocupado com pautas de interesse para lésbicas, bissexuais e trans, como um novo agente que está preocupado com essa e outras questões, ao contar mais histórias LGBT a partir de outros ângulos, de outros olhares possíveis. Crio a expectativa de que com reportagem o site Mídia Queer possa dialogar com mais agentes e menos com as “vozes oficiais do movimento”, explicitando de fato o quanto a comunidade LGBTI+ é plural em experiências.

Pessoalmente, espero ter nessa coluna um espaço para que todos nós possamos refletir sobre nossas narrativas, sobre jornalismos, sobre nossa sociedade em uma perspectiva plural. Para terminar lanço um desejo: que o Mídia Queer seja abençoado com a mesma relevância que teve o Lampião.

Gean Gonçalves: Jornalista, professor e doutorando em Comunicação na USP. Foi repórter da imprensa LGBT – na revista Junior e no portal MixBrasil. Acredita em uma teoria bixa/queer para a comunicação social.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here