Com poucos recursos, Glitter se consagrou como marco na cultura LGBTI+ brasileira

Choque de monstro: Lena Oxa, Sangalo Schneider e D’mon relembram os bastidores do reality show cearense que brigou com Faustão e Gugu pela audiência

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Participantes do programa, junto com os apresentadores Ênio Carlos (já falecido) e Lena Oxa ao centro. Foto: Reprodução da Internet
Por Flávio Marcílio e Lucas Memória
O reality show “Glitter: em busca de um sonho” foi um marco na cena LGBTI+ e na TV cearense e brasileira. Exibido aos domingos, sob forte concorrência de Faustão e Gugu, foi apresentado em 2012, dentro do programa Ênio Carlos, na TV Diário.
Idealizado por Lena Oxa, Glitter é considerado o primeiro reality feito no país apenas com gays, travestis e drags. A atração é lembrada até hoje, pois tornou-se um clássico da internet, quase uma década depois, imortalizado por conta de suas performances e memes.
Lena, que já trabalhava na emissora, lembra que o projeto não foi bem aceito inicialmente. “Depois de muita insistência, eu levei um piloto do programa para o diretor Emanuel Sales, que encaminhou a ideia para o Ênio, que de cara comprou a ideia”, lembra a travesti. A proposta era reunir 12 participantes com diversas orientações sexuais e identidades de gênero dentro de uma casa de praia, mas a atração acabou sendo produzida no estúdio do dominical.
Drag D´mon – Em 2012 e atualmente. Fotos: Reprodução da Internet
Entre as selecionadas para participar do Glitter, Lena se recorda de duas em específico. Rochele Santrelly, que foi chamada de última hora e foi para a TV de mototáxi, calçando um par de chinelos. E D´mon, eliminada no decorrer da temporada, mas que conseguiu retornar ao programa em uma repescagem e se consagrar vencedora. “Eu e ela [Santrelly], entramos por último. A gente não sabia de nada. Não tem aquele ditado? As últimas serão as primeiras”, brinca D’mon, que acumula quase 30 mil seguidores no Instagram e hoje se apresenta como “drag fitness”, além de manter uma loja de suplementos.

via Gfycat

Na semana de estreia, Lena relata que sofreu ameaças, como o ultimato: caso o programa não fosse bem recebido pela audiência, poderia até ser demitida. “Todo o programa era gravado e a expectativa de terça até domingo, quando o programa ia ao ar, era muito grande. Tomei maracujina, remédio para a pressão e sinceramente eu não assisti porque tive medo do que meu chefe ia achar”, relata.
O resultado foi o oposto. A recepção foi boa e muito comentada pelas redes sociais da época como o MSN e o Orkut, garantindo o sucesso e continuidade do programa. Produzido de maneira simples, a primeira edição do reality “Em busca de um sonho”, mudou a vida dos participantes que cativaram fãs e ganharam madrinhas de renome como Ivete Sangalo, Luciana Gimenez e Valesca Popozuda.

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Bastidores

Sangalo Schneider em uma de suas performances. Foto: Arquivo Pessoal
Lena conta que teve muito receio de levar as participantes para o estúdio. Muitas delas queriam conhecer “os lugares da televisão” entrando em várias salas e subindo até na antena da TV.  Outro fato interessante é que tudo era no improviso, elas falavam o que achavam apropriado, rendendo assim vários memes.
O tempo passou e as ex-participantes já marcaram presença em outros programas nas emissoras de TV locais. As lembranças da estreia, no entanto, seguem mais vivas do que nunca. “O Afrânio é o rapaz que filmava a gente. Rogério era o motorista e o Renato era o rapaz que fazia a limpeza na TV Diário”, recorda-se Sangalo Schneider, a “destruidora”, que faz questão de cumprimentar todos que a reconhecem pelo Glitter. “Eu não faço a simpática falsa, querida”, brinca, em alusão a um dos memes que hitaram no programa.
O reality foi um símbolo de resistência com repercussão nacional, com vários produtores e jornalistas do Centro-Sul do país interessados em saber mais sobre o programa, e mundial, sendo visto pela RuPaul (do reality americano RuPaul’s Drag Race). Outras personalidades nacionais como Hugo Gloss e Preta Gil também se interessaram pelo programa e até repetiam os bordões falados pelas participantes. 
“O Glitter veio para diversificar, para tirar as pessoas do ostracismo, serviu para mudar e dar nome às pessoas. A gente via muito reality show padrão, mas o Glitter foi um trabalho genuinamente cearense que deu certo feito com muito amor e com poucos recursos”, fala Lena.
Com o tempo, o Glitter foi perdendo um pouco da força inicial e viu seu espaço diminuir na TV. A segunda edição teve como tema as Olimpíadas e a terceira e última foi realizada toda on-line e com foco no humor. Embora tenha sumido da programação, o reality é constantemente lembrado e até maratonado pela comunidade LGBTI no Youtube.

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