Por Italo Alves, colunista Mídia Queer
Como militante LGBTI+ na política, eu encontro com bastante frequência o seguinte questionamento: “Se a gente leva mais de 1 milhão de pessoas para as paradas da diversidade no Ceará, por que não conseguimos eleger sequer um vereador que nos defenda na Câmara Municipal de Fortaleza?”
Eu sempre respondo dizendo que a solução para essa equação não é simplesmente matemática. A psicologia apresenta múltiplos fatores e modelos comportamentais que influenciam as definições de voto do eleitor (a): opiniões de amigos e familiares, a mídia, ações do partido, propostas, história pessoal, estética, e até mesmo características sociológicas, como cultura, religião, status socioeconômico, etnia e razões ideológicas ou identitárias. Geralmente, a decisão de votar ou não em alguém inclui uma combinação de diversos desses fatores. Entender isso explicaria muito mais o porquê que, em muitos casos, pessoas LGBTI+ não votam sempre em candidatos (as) da comunidade
Podemos, porém, refletir sobre algumas questões mais objetivas referentes à nossa história de representatividade. Apesar de lançarmos candidatos (as) a postos políticos há décadas, por muito tempo, uma grande parte da população não enxergou na política, assim como muitas outras posições de liderança, como lugares pertencentes à ela. Afinal, nós vivemos em um país onde mais se mata pessoas LGBTI+ no mundo, onde nosso movimento social foi historicamente marginalizado, e onde a mídia, por décadas, nos apresentou à população como personagens cômicos e merecedores de bullying.
Quando pensamos em representatividade LGBTI+ na história da política, algumas pessoas vem em mente, de cara. A primeira pessoa da qual lembramos é o deputado federal Clodovil Hernandes (PTC-SP), eleito como terceiro deputado mais votado por São Paulo em 2006. Conhecido como um “gay de direita,” Clodovil fortaleceu, e muito, as críticas ao movimento social LGBTI+ ao minimizar nossas lutas e atentar, em seus discursos, contra as liberdades individuais da nossa população.
O mandato de Clodovil se concretizou como um desserviço à nossa comunidade e até hoje alimenta um movimento ultra reacionário de gays de direita que atacam as nossas pautas. Somente com a eleição de Jean Wyllys (PSOL-RJ) a nossa comunidade teve um representante capaz de abraçar as nossas pautas políticas de forma legítima dentro da Câmara dos Deputados. Contudo, Jean não conseguiu agradar a todas as pessoas LGBTI+, afinal a nossa comunidade também é diversa em ideologias e estratégias políticas. De lá pra cá, surgiram inúmeras candidaturas LGBTI+ em todas as disputas e representando quase todas as letrinhas da sigla. Como bem-sucedidas, tivemos as candidaturas de Érica Malunguinho (PSOL-RJ), primeira deputada estadual trans da história; Marcelo Calero (Cidadania-RJ), e até mesmo o primeiro Senador gay assumido, Fabiano Contarato (REDE-ES). Juntos deles, vários aliados que somam conosco na luta por nossas pautas.
No Ceará, tivemos nossa primeira parlamentar trans em 2012, Alanny Coutinho, eleita pelo PT como a segunda vereadora mais votada em seu município, Novo Oriente. No mesmo ano, Fortaleza elegeu Paulo Diógenes, um parlamentar gay para a Câmara de Vereadores. Contudo, nenhum dos dois conseguiu se reeleger e, desde 2016, a população LGBTI+ ficou sem representantes próprios da comunidade.
Recentemente, eu fiz uma série de lives durante o mês de junho pra falar de temas diversos relacionados às políticas públicas LGBTI+. Em uma delas, conversei com Eliseu Neto, coordenador nacional da diversidade do partido Cidadania, onde o questionei sobre o porquê LGBTIs tem dificuldade de conseguir apoio dentro dos partidos. Sua resposta não me surpreendeu. Eliseu disse que, historicamente, muitos partidos utilizam a nossa militância apenas como massa de manobra pra reeleger caciques. E, quando conseguimos legenda para disputar, nossas candidaturas tendem a receber menos financiamento do que as de pessoas heterossexuais. Isso porque criou-se a imagem de que “a pauta LGBTI+ não dá voto”. Eu mesmo já fui vítima desse discurso dentro de uma legenda da qual fiz parte, onde a liderança partidária me pediu pra falar menos das causas LGBTI+, pra poder falar mais de economia e outras pautas onde tenho bastante conhecimento técnico.
Que tipo de representante eu seria a ponto de mascarar uma parte tão importante de minha vida e militância apenas para ganhar voto e me eleger mais rapidamente? A crise de representatividade que me trouxe até aqui é uma que não tolera mais personagens na política. Precisamos de parlamentares comuns e reais que queiram representar pessoas comuns e reais. E as pessoas LGBTI+ são comuns e reais. A luta que nós travamos é mais difícil, porque precisamos trabalhar muito mais do que outros candidatos heterocisnormativos nas construções políticas, uma vez que a máquina não está ao nosso lado.
De forma geral, só somos considerados como quadros depois que mostramos nossa capilaridade eleitoral após sermos testados nas urnas ou de um trabalho contínuo nas redes sociais para crescermos no olho público, e ainda assim, muitas vezes enfrentamos barreiras estruturais para acessar credibilidade e apoio nos partidos.
Acredito que talvez se a comunidade visse a nossa luta nos bastidores, talvez valorizasse mais as nossas candidaturas.
Por outro lado, há um lado da crítica que me toca no que se trata da necessidade de furarmos a bolha de nossa causa, o que eu não vejo como algo obrigatório. Pra mim, pessoalmente, faz sentido mostrar que nós LGBTIs temos um pensamento de cidade, estado e país. Que nós pensamos soluções para todos os problemas que afetam o nosso cotidiano. Afinal, uma vez eleitos, teremos que legislar e nos posicionar sobre mais do que as pautas referentes ao nosso movimento.
Portanto, é um desafio para nós pré-candidatos e pré-candidatas, caso quisermos, pautar política para além de nossa bolha. Defender uma sociedade inclusiva para a população LGBTI+ é defender uma sociedade inclusiva para todas e todos os brasileiros, pois pra chegarmos até uma sociedade verdadeiramente inclusiva pra nossa sociedade, muitas mudanças estruturais terão que acontecer, mudando dinâmicas sócio-político-culturais que beneficiarão a sociedade como um todo.
O momento atual, no entanto, é atípico no sentido de que estamos na conjuntura mais antidemocrática desde a redemocratização do nosso país. A conjuntura bolsonarista ameaça os nossos corpos e se articula diariamente para retroceder e revogar nossas conquistas adquiridas através de muita luta.
Nesse contexto, de nada vai adiantar termos candidaturas de pessoas LGBTI+ se elas não tiverem compromisso com nossas causas e lutas. Por isso, no Brasil, e apelo especialmente ao Ceará, precisamos definir o nosso inimigo em comum: o avanço do fascismo e reacionarismo na política municipal.
Se todas e todos os pré-candidatos da nossa comunidade abraçarem essa causa e sensibilizarem seus eleitorados sobre essa situação, talvez sejamos capazes de inspirar o voto da população LGBTI+ em alguém da causa dessa vez.
Hoje, podemos dizer que temos pré-candidaturas competitivas e chances de eleger, não somente um vereador, mas uma bancada de vereadores em Fortaleza. É hora do Ceará dar, mais uma vez, a sua contribuição à representatividade LGBTI+ no Brasil. Já que não tivemos uma parada da diversidade em junho por conta da pandemia, é essencial que a gente se articule para que a parada seja em novembro, nas urnas.
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