A loucura feminina como esvaziamento da razão

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A personagem Jessica, do filme Sonhos Alucinantes, de 1971. Foto: Reprodução da Internet
Por Silvia Maria, colunista Mídia Queer

Você já foi chamada de louca alguma vez na sua vida? Por que nós, mulheres, somos constantemente etiquetadas com uma definição de loucura como inerente ao ser feminino? Porque o levantar a voz e sair do padrão de recatada e contida são atitudes rotuladas pela neurose.

Durante muitos séculos fomos silenciadas em todos os espaços públicos/privados e pelas ciências consagradas a exemplo da própria psiquiatria, que, de acordo com Valeska Zanello, construiu uma ideia de que o corpo feminino tinha uma predisposição ao adoecimento mental. Daí, ouvirmos muitas vezes que somos loucas e histéricas e que o desarranjo hormonal é um dos nossos grandes vilões.

Contudo, gostaria de problematizar com você como este rótulo está alicerçado em nossos  gritos de protesto e ações revolucionárias de desmantelamento do patriarcado, seja ao dizer que “Não é Não” ou ao desnaturalizar práticas e papeis rigidamente definidos pela construção binária de gênero.

Vejamos: quando entramos numa discussão porque discordamos de alguma temática, seja politicamente, economicamente, socialmente, culturalmente, entre outras vertentes, ou quando reclamamos das posturas de nossos interlocutores, a questão desemboca de forma mais violenta com a frase: “Só pode tá de TPM”! Aqui manifesta-se o entendimento de que os hormônios definem nosso humor e a nossa capacidade de racionalização.

Outro exemplo de atribuição à nossa “dita” neurose compulsória é vivido cotidianamente por mulheres que desnaturalizam os rígidos papéis atribuídos ao masculino e ao feminino. É notório o incômodo das pessoas quando questionamos o essencialismo biológico da pergunta à grávida: é menino ou menina, ou a atitudes passivas esperadas sexualmente ou até quando priorizamos o trabalho em detrimento do casamento.

Quando dizemos que não queremos ter filhos, que o modelo tradicional de família e a imposição cultural da fidelidade não nos contempla somos chamadas de mal amadas. Mal sabem eles que o próprio IBGE revela um aumento do número de mulheres que não tem filhos (6% entre 2004 e 2014).  E porque isso acontece? Primeiro pelo fato de não querermos nos colonializar através do dispositivo do cuidado materno e por não desejarmos nos “empratileirar” no dispositivo amoroso.

Nossas opiniões, entendimentos,  saberes e ações são desqualificados pelo sexismo e pela cisheteronormatividade que nos enquadram como as loucas dos hormônios e/ou as histéricas que gritam e choram como se estas atitudes fossem mácula dos corpos femininos.

Há um esvaziamento da razão feminina em detrimento de uma racionalidade  impostamente masculina que permeia nossas relações e afetos, instituições e estruturas. Como bem aponta Elaine Showalter, “a loucura tem sido a etiqueta histórica para o protesto feminino e a revolução”.

Silvia Maria Vieira dos Santos: Historiadora e Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação Brasileira – UFC. Professora da Rede Estadual e técnica pedagógica da equipe de Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade da CODIN/Seduc.

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