80% dos candidatos negligenciam pauta LGBTI+ em Fortaleza

Os direitos dessa população e os desafios enfrentados pela discriminação compõem diretrizes de destaque dos programas de governo de apenas dois dos candidatos a prefeito da capital do Ceará

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Palácio do Bispo, sede do Governo Municipal de Fortaleza. Foto: Divulgação.
Por Rafael Mesquita

Em cenário atípico provocado pela pandemia de Covid-19, as campanhas nas eleições municipais 2020 começaram somente no último dia 27 de setembro. Neste pleito, Fortaleza tem 11 candidatos a prefeito, mas, de acordo com levamento do Mídia Queer, somente dois destes possuem propostas consistentes para a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI+).

Assim como apontou o site Ceará Criolo sobre a pauta racial (leia aqui), 80% dos prefeituráveis ignoram por completo ou fazem proposições superficiais de políticas públicas de promoção da diversidade sexual e de gênero nesta eleição.

Os dados foram obtidos junto às propostas protocoladas pelos candidatos no registro das candidaturas no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE).

Apenas Renato Roseno, do Partido Socialismo e Liberdade (PSol), e Paula Colares, do Unidade Popular pelo Socialismo (UP), encaminharam à Justiça Eleitoral conteúdo com recorte aprofundado para as pessoas LGBTI+ e suas reivindicações históricas.

Ao analisar as propostas iniciais dos planos de governo dos candidatos, observa-se que Renato Roseno faz 65 menções a palavras e expressões do campo da orientação sexual e da identidade de gênero, enquanto Paula Colares faz 47 referências.

Heitor Férrer (SD), Heitor Freire (PSL), José Loureto (PCO) e José Sarto (PDT) não apresentam nenhuma proposta para as pessoas LGBTI+.

Já Anízio Melo (PCdoB) e Luizianne Lins (PT) apresentam apenas duas menções ao universo citado e, por fim, Capitão Wagner (PROS), Célio Studart (PV) e Samuel Braga (Patriota) fazem somente uma citação ao tema. O candidato do PCO foi o único a não ter documento de proposições protocolado no site do TRE. Acompanhe no infográfico:

Diagramação: Igor Thawen

Com ligações políticas na extrema direita nacional ou membros de partidos aliados do presidente Jair Bolsonaro – abertamente contrário aos direitos LGBTI+ – era de se esperar que os candidatos do PSL, SD e Patriota ignorassem as demandas desta população. No entanto, causa estranhamento as homeopáticas referências ao campo queer nos pré-programas de Anísio Melo e Luizianne, membros de partidos identificados como de esquerda.

O nome do PCdoB vem do movimento sindical e tem laços com movimentos sociais e a candidata do PT, que chega ao pleito pela quarta vez, tem militância junto a este agrupamento e, em dois mandatos como prefeita (de 2005 a 2012) foi responsável pela implantação de diversas políticas para LGBTIs em Fortaleza.

O pouco ou nenhum apontamento às vulnerabilidades e necessidades de sujeitos de sexualidades e identidades dissidentes da heteronormatividade pela maioria dos postulantes ao Palácio do Bispo também ignora os crescentes e contínuos ataques e violências sofridas pela comunidade. De acordo com pesquisa do Grupo Gay da Bahia, Fortaleza é a quinta capital do Brasil mais violenta para LGBTIs, assim como o Ceará foi o segundo estado do País em assassinatos de pessoas trans em 2019. Só entre janeiro e agosto de 2020, houve um aumento de 87,5% de homicídios de travestis e transexuais, considerando o mesmo período no ano anterior. A maior parte dos crimes foram registrados na capital.

O que dizem as candidaturas sobre as demandas LGBTI+?

Os candidatos Paula Colares e Renato Roseno. De partidos ligados a movimentos sociais, trazem diversas propostas para as pessoas LGBTI+ Fotos: Divulgação.

Renato Roseno (Psol)

Em documento volumoso, a coligação explora com profundidade no eixo “Diversidade”, trazendo avaliação das necessidades dos sujeitos LGBTI+ e uma série de propostas diretas, que incluem medidas de promoção dos direitos deste segmento nas escolas, inclusive com a proposição de uma disciplina de educação em gênero e sexualidade, ampliação de rede de assistência, descentralização e ampliação dos Centros de Referência LGBT; incentivo à contratação de LGBTs; prevenção à violência LGBTfóbica através de políticas públicas nos bairros, mapeamento de grupos, territórios, expressões culturais LGBTs que existem na cidade, a fim de construir base de dados para elaboração de políticas políticas com foco na cultura local; entre outros pontos.

Ao considerar a LGBTfobia uma problemática pública, o texto diz: “reivindicamos, antes de tudo, o direito à vida! Que nós não mais morramos vítimas do conservadorismo, do fundamentalismo religioso e fascismo que adoecem o Brasil nesse momento, e que sejamos nós o atores a construir esse novo mundo, onde a liberdade de amar será tão comum e reivindicada quanto a de nascer e de ter uma vida digna”.

Paula Colares (UP)

Por sua vez, na publicação “Por uma Fortaleza popular e socialista”, a candidatura da UP aposta também em uma seção específica para LGBTI+ no plano de Governo. “Viver como LGBT em Fortaleza não é fácil, é estar sempre em busca de um lugar para poder estar seguro”, diz o documento. Para a candidatura de Paula, há uma “cidade de ricos e a cidade dos pobres, como também, a cidade dos heterossexuais e a cidade dos homossexuais”.

Entre as 15 propostas estabelecidas pelo partido mais jovem desta eleição, estão: criar programas de educação em direitos humanos, em vários setores, que promovam o respeito à LGBTs; fortalecer e financiar as agendas alusivas aos direitos LGBT, como as atividades do dia intencional da mulher, a Parada da Diversidade Sexual; aprovar legislação que puna as empresas que cometem discriminação contra a população LGBT; e a criação de uma Secretaria de Diversidade Sexual de Fortaleza com recursos próprios que possa elaborar uma política de inclusão e ampliação de direitos para a população LGBT de Fortaleza.

Luizianne Lins (PT)

No único trecho de seu programa que trata do nosso universo de análise, o PT traz a proposição: “A promoção dos direitos dos jovens, mulheres, pessoa com deficiência, crianças e adolescentes, idosos, negros e LGBT’s precisa ser reafirmada a partir de um conjunto de políticas públicas baseadas no respeito às diferenças e às singularidades, condição fundamental de construção da cidadania. A intersetorialidade das políticas públicas é condição ‘sine qua non’ para a superação da discriminação, crucial na luta contra o preconceito e importante para o empoderamento desses segmentos”.

Anízio Melo (PCdoB)

Apesar de não citar nenhuma vez a sigla LGBT, o conjunto de proposições do comunista cita que pretende “instituir um calendário municipal alusivo ao Dia Internacional da Mulher; Lei Maria da Penha; Dia da visibilidade lésbica; Dia latino-americano da não violência contra a mulher”. Também coloca que quer “construir um amplo debate, que respeite as diversidades étnicas, culturais, sexuais, econômicas, religiosas, a pluralidade de opiniões e interesses, que colaboram com os principais pilares da nossa Pré-campanha”. Mas, apesar de citado como proposta, o 29 de agosto, Dia Municipal da Visibilidade Lésbica, já existe em Fortaleza, estabelecido pela Lei nº 9.572/2009.

Célio Studart (PV)

Nas suas proposições, o candidato do partido de raiz ambiental fala duas vezes em combater a “discriminação sexual e de gênero”, assim como pretende fazer o “reconhecimento e valorização da diversidade”.

Capitão Wagner (Pros)

Trazendo pelo menos uma vez a menção à questão LGBT, a candidatura do ex-militar e aliado do bolsonarismo propões: “Implantar uma coordenadoria especial para a promoção dos direitos da população LGBTQIA+”, só que esta coordenadoria já existe. Também sugere “a criação de centros de cidadania para a promoção de formação para o trabalho”.

Como destacado, Heitor Férrer (SD), Heitor Freire (PSL), José Loureto (PCO) e José Sarto (PDT), ou seja, 36% dos candidatos, não apresentam nenhum conteúdo diretamente relacionado à promoção dos direitos LGBTI+. Sarto é o candidato oficial do atual prefeito, Roberto Cláudio (PDT), o que surpreende a falta de propostas para esta população.

Acesse no site do TRE a íntegra das propostas apresentadas pelos candidatos: http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/municipios/2020/2030402020/13897/candidatos

Atualização (02/10) – 16h:

A Coordenadoria do Programa de Governo de Luizianne e Vladyson (PT) procurou o Mídia Queer para explicar que “o documento que se encontra no TRE foi escrito para a convenção partidária do Partido dos Trabalhadores” e que após oito encontros participativos para criação do plano de governo, a candidatura prepara a consolidação de todas as contribuições recebidas. Conforme Alfredo Pessoa, da equipe petista, na próxima semana será lançado o programa de governo definitivo, quando serão apresentadas as propostas LGBTI+.

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